terça-feira, 11 de março de 2014
OSCAR WILDE: O RETRATO DE DORIAN GRAY
Compreendo a posição de João Gaspar Simões acerca de Oscar Wilde. Mencionei-a no post que dediquei a The Life of Samuel Johnson. Compreendo-a e, portanto, mais do que isso, usei-a; transplantei-a porque, a propósito de Johnson, ela faz todo o sentido; aplicada a Wilde, não o creio.
Gaspar Simões afirma que Wilde era um conversador de tipo raro, e nessa habilidade devemos procurar o seu talento e a sua arte. Não certamente - acrescenta - nos textos teóricos, acerca de Arte e estética, porque nunca foi capaz de elaborar um sistema coerente e consistente; as ideias são impressionistas, fulgurantes mas superficiais. Não também, com certeza, no romance:
O Retrato de Dorian Gray seria demasiado fantástico para que o pudéssemos ler com seriedade e convicção do princípio ao fim. Restaria o teatro - aí sim, encontramos o palco do seu génio de conversador, carregado de fórmulas felizes e de réplicas sagazes.
Ora não vejo, nesta crítica, um diagnóstico correcto da doença de Oscar Wilde; vejo, sim, um diagnóstico tenebroso da doença de João Gaspar Simões. A sua incapacidade para detectar a ironia. [Toda a teoria de Wilde contém um elemento irónico que não podemos desdenhar]; o gosto de JGS pela literalidade, no suposto de que só o realismo é arte, "falando-nos" do mundo e defendendo uma tese. O fantástico seria, pois, um desvario. Uma ausência de seriedade. Nesta óptica, a construção estética haveria de manter-se apenas como um instrumento ao serviço de uma mensagem. Uma retórica, portanto.
Tenho uma grande consideração pelo esteticismo. A ideia reguladora de todo o objecto artístico deveria ser a da Arte pela Arte. Não se trata de uma visão mesquinha e superficial da arte: é o princípio à luz do qual a obra contém um valor próprio e propriamente artístico. Poupem-me à conversa sobre os artistas nas suas torres de marfim: o esteticismo, tal como o entendo, não impede o artista de imbuir a sua arte de uma missão filosófica, social, política. Apenas impede que, enquanto arte, ela seja julgada, em primeira e última análise, por essa missão.
Assim, posso ver, em O Retrato de Dorian Gray, também um romance moral. [E pensando bem, toda a obra de Wilde, aliás.] Fala-se habitualmente dele como da recuperação do mito de Narciso. Um Narciso que encarna mais do que o egocentrismo: a maldade. Porque o mal é demasiado insuportável para que o descrevamos objectivamente, e não cabe nos limites de uma realidade registável, tem de ser apresentado sob a forma de um símbolo [a água, o espelho, o retrato] onde o sujeito se reflecte, e redescobre na sua verdade maléfica.
A realidade é ilusória. Engana-nos. O protagonista, um homem belo e jovem, muito popular em sociedade, mascara, na verdade, um ser perverso e hediondo. Esta sua natureza traduz-se em pérfidos actos, mas os maus actos não destroem a beleza do rosto do seu agente, o seu olhar inocente, o seu sorriso cativante. Não há, em Dorian Gray, sinais sensíveis da maldade. A não ser quando "magicamente" um elemento da realidade suporta e carrega todas as marcas do vício e da podridão, podendo revelar o que se esconde no interior do belo mau. Assim, estaríamos perante um narcisismo invertido: o reflexo não é uma ilusão nem o revelador de uma ilusão, é revelador da verdade.
O Retrato de Dorian Gray é inesquecível. Bem como a peça A Importância de se Chamar Ernesto [que volta daríamos ao título para que, em português, fizesse algum sentido? Sem ser - como em outra versão - A Importância de Ser Severo?]
São provas de um autor de génio, muito mais do que um grande conversador.
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