sábado, 3 de setembro de 2011

O.K. BOUWSMA: CONVERSAS COM WITTGENSTEIN


Considero A Namorada de Wittgenstein um dos dos blogues mais belos, subtis e originais do que se convencionou chamar a blogosfera. Infelizmente, a minha tentativa de contacto com a sua autora acabou por se revelar um exemplo de incomunicação, e os meus elogios tiveram, segundo ela, o efeito pernicioso de lhe anestesiar o espírito e a criatividade. Não o fiz por mal. E a minha admiração por um blogue perfeito permanece incólume.

De certa forma, compreendo a sua reacção e as suas palavras. Essa atitude de rigor, aliás, numa pessoa que prefere evitar a distracção e a futilidade, tem tudo que ver com o próprio Wittgenstein, que a inspira e é chamado ao título do blogue em causa.

Releio um livro muito antigo, Conversas com Wittgenstein, e é a propósito deste que o perturbador desencontro entre mim e a sua "namorada" me vem à memória. O livro a que me refiro nunca chegou verdadeiramente a ser escrito. Aquando do falecimento de O.K. Bouwsma, encontrou-se, no seu espólio, uma série de fichas, com tópicos e rascunhos brevemente alinhavados, que procuravam dar conta, com um notório fascínio, das conversas que ele mantivera com o filósofo. Em Julho de 1949, Ludwig Wittgenstein visitou a Universidade de Cornell: esse foi o início de um conjunto de sessões (que continuariam mais tarde, no Smith College, em Outubro, e em Oxford, de Agosto de 50 a Janeiro de 51) ao longo do qual Bouwsma e Wittgenstein, muitas vezes sozinhos, algumas vezes inseridos em pequenos grupos de académicos, discutiriam temas, reflectiriam sobre questões que os clássicos nos legaram, pensariam em diálogo.

Wittgenstein tinha a fama de ser intratável. As suas explosões de irascibilidade eram frequentes. Desde o princípio que Bouwsma refere a sua inibição diante do grande filósofo, o medo de o agastar ou de lhe ferir a susceptibilidade. Mas o que este livro, na sua forma incompleta e descosida, expõe de maneira singular, é o prodigioso espectáculo do acto de pensar: somos testemunhas do nascer das ideias no contexto da conversa; de uma busca de imagens e de exemplos para ilustrar o «conteúdo teórico» (e os exemplos e as imagens de Wittgenstein são extraordinárias, como sabemos); e, principalmente, de um esforço quase implacável de rigor: é fácil pensarmos mal; é fácil iludirmo-nos pela própria equivocidade das palavras que temos ao nosso dispor: para Wittgenstein, pelo contrário, é sempre possível segurarmos limpidamente o essencial, seguirmos o raciocínio evidente, excluindo o canto das sereias metafísicas.

Ora, deste ponto de vista, a sua indignação permanente, a sua irritabilidade fácil, a sua hipersensibilidade perante todas as formas de aparência e engano (em que o social é, afinal, pródigo) tornam quase bela a misantropia em que se fecha: aquela falta de paciência para as encenações da vida em sociedade.

2 comentários:

disse...

olhe, eu tb gosto imenso do blog da senhora que namora em diferido. conhece a revista alice (projecto que me parece ter sido coordenado por ela, nao estou certo)?
Deixo-lhe o link... Entrevistas maravilhosas, artigos interessantes, ilustracao, enfim... o sonho de qqr procrastinador. http://clubalice.com
ps. vai ter de me desculpar a ortografia, mas vivo no estrangeiro e no meu local de trabalho so me disponibilizaram um computador com teclado internacional, que nao traz acentos. de modo que: e o que ha...

josépacheco disse...

Muito obrigado pela dica, Zé. Sim, já espreitei o Clube Alice, da Maria João Freitas, e estou absolutamente de acordo com a sua opinião. Mas confesso que não tenho lá ido regularmente, ainda bem que mo relembrou...