sábado, 3 de junho de 2023

MICHAEL SHELLENBERGER: APOCALIPSE NUNCA

 O autor começa por ser apresentado na badana - e apresenta-se, desde o início - como um "ambientalista" e até, nessa qualidade, não uma pessoa com uma intervenção superficial e de última hora, para ficar bem na fotografia, mas capaz de exibir um impressionante currículo de salvamento de espécies em vias de extinção ou de luta por uma política científica séria na área da ecologia. É um excelente golpe de marketing ideológico - uma vez que, tratando-se, como se adivinha pelo título, de uma obra que diz pretender desmontar os erros e os equívocos dos movimentos verdes, este cartão de visita permite pensar estarmos perante um autor honesto, que, genuinamente incomodado com o pânico e o clima de histeria em redor dos receios ambientais, baseados, segundo ele, em números e previsões manipulados, que vieram tornando a sua filha, e os adolescentes, em geral, temerosos e desesperançados, apenas nos vem oferecer um exame actualizado, rigoroso, imune a clamores ideológicos de um lado ou de outro. Na verdade, está longe disso.

Quando, primeiramente, o vemos pôr em causa o tom apocalíptico das profecias relativas às mudanças climáticas, e às consequências, a curto ou médio prazo, da pegada humana, ou o inferno para onde o futuro nos encaminharia de forma irreversível, ainda estamos disponíveis para crer na boa nova. Suspiramos com algum alívio. Afinal, é o salvador de uma espécie de grandes símios que nos fala. E devo confessar que, apesar de há muitos anos próximo de movimentos ecológicos, não tenho o menor prazer em pensar que talvez já não tenhamos, de facto, nos tempos vindouros, um planeta confortável e seguramente habitável, ou que tudo o que possamos ainda fazer já pouco venha a remediar. Gostaria que me dissessem, com provas na mão, que se exagerou; que novos estudos demonstram que o poder de regeneração da natureza é superior ao ritmo dos danos; que o clima sempre aqueceu, ou arrefeceu, naturalmente, por longos períodos. E, até, que parte da luta verde errou o alvo, mediu mal as consequências, caiu em falácias ou serviu interesses obscuros. Aliás, segundo Michael Shellenberger, tudo isso ocorreu.

Mas, depois, continuamos a ler o livro, e intuímos ser fracamente provável (atenção: escrevi fracamente, não francamente) que, como Michael Shellenberger garante, os mais variados movimentos de luta pelo ambiente se tivessem enganado de um modo tão brutal. Afinal, está tudo bem com a Amazónia, que, aliás, nem sequer é, verdadeiramente, o pulmão do planeta (para além de que os madeireiros, os "deflorestadores", são comerciantes importantes para a economia, cuja situação e objectivos não devem ser esquecidos); afinal, o consumo de carne e peixe não constitui uma ameaça para o ambiente, nem, verdadeiramente, um problema moral, sendo que se tornam mais destrutivos os vegetarianos ou os vegan, do que os praticantes de um regime omnívoro; afinal, o plástico não se tornou um mal para os oceanos, e, se sim, não se resolve essa questão evitando ou diminuindo o seu uso, mas melhorando as condições da sua concentração em lixo, ou do seu reaproveitamento; afinal, foi a "ganância", ou seja, as empresas capitalistas,  e não o Greenpeace, quem salvou as baleias; afinal a energia nuclear é óptima, mais económica e limpa, do que as energias naturais. Em síntese, tudo esteve sempre bem no melhor dos mundo possíveis e, para parafrasear o subtítulo, quem nos confundiu e desencaminhou ao longo das últimas décadas foram os loucos que deram voz e corpo "a um alarmismo ambiental que nos prejudica a todos".

MS tornou-se um negacionista, portanto. É a palavra. Não há outra.


Acenando com estudos que, evidentemente, poderiam ser diversamente interpretados, ou deveriam ser comparados com outros, de sinal contrário, e usando-os como a indiscutível palavra divina, desmerecendo sistematicamente aqueles que, à partida, já catalogou como "alarmistas", o autor ridiculariza, acusa, ataca. "Desmonta", diz ele. "Manipula", diria eu.


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