Comecei a ler este livro sem outra razão que não o ele me ter inesperadamente chamado de uma estante de certa biblioteca, lembrando-me que "François Mauriac" estava longe de me ser um nome desconhecido, mas a obra do autor me era realmente desconhecida.
Não há outra maneira de o dizer: as primeiras linhas criam-nos a tensão e a expectativa que não mais nos largarão. É o texto de um narrador velho e envelhecido. Tem um destinatário: a mulher. Luís espera que ela venha a descobri-lo e a lê-lo ao deparar com o caderno, assim que, após a sua pressentida morte, abra o cofre, numa ansiosa busca dos bens que ela e os filhos herdarão.

O domínio da técnica é assombroso. As descobertas que o leitor vai fazendo são rigorosamente controladas pelo Autor. Mesmo que os indícios tenham sido já apresentados, só no momento adequado se faz a revelação que permite a peripetia.

Não que a luz que se faz sobre as pessoas as mude radicalmente. Também nisto reside a grandeza e a profundidade psicológica da obra. Os medíocres continuam sendo medíocres, os estúpidos não deixam subitamente de o ser, a um novo olhar. Mas a revelação é, de cada vez, a de que os estúpidos não são unicamente estúpidos, mas seres de múltiplas facetas e camadas, com os quais no entanto podemos ter vivido, ou gastado uma vida inteira, presos a um único ângulo, que deturpa, ou reduz, que amargura e contra o qual se lutou vãmente.
Mais do que um "ensaio sobre a cegueira", o Nó de Víboras é um ensaio sobre a cegueira como reaprendizagem da visão.