sexta-feira, 15 de março de 2013
MIHALY CSIKSZENTMIHALY: FLUIR
Os livros de teoria científica tendem a ser complexos, quando os autores visam ser respeitados; ou simplistas, quando estão preocupados com um trabalho de divulgação entre os leigos.
Tenho descoberto algumas surpresas: obras que aliam o humor e a capacidade de comunicação a uma informação que não falseia nem reduz; que convidam o leitor não especializado a penetrar na área, às vezes a partir de uma tese criativa e fascinante, mas sem ignorar nem trair os conhecedores. A Lua de Papel é, em Portugal, uma editora que arrisca nesse campo, com traduções cuidadas de textos interessantíssimos, sobre filosofia ou psicologia.
Publicado não pela Lua de Papel mas pela Relógio d'Água, outra editora a quem os portugueses nunca agradecerão o bastante, Fluir, da autoria de um psicólogo polaco de nome impronunciável, é um exemplo desta fusão entre o trabalho sério e rigoroso, suportado por muitos anos de pesquisa, e uma clareza que nos faz sentir sábios, apelando continuamente para o que de facto já conhecemos, isto é, para aquilo que um leitor medianamente instruído não ignora, mas de forma a conduzir esses conhecimentos, capítulo após capítulo, para limiares luminosos de descoberta.
O tema é muito belo. E, de algum modo, segundo Csikszentmihaly, é familiar à prática e à experiência de todos nós. Chamemos-lhe, para simplificar, a felicidade. Mau! Não simplifiquemos demasiado. Não que a palavra nos atemorize, mas não gostaríamos que se começasse a tomar esta obra preciosa por aquilo que não é - um livro de auto-ajuda. A felicidade, aqui, refere um estado. O estado de experiência óptima: mais comum do que poderíamos pensar, embora a psicologia pouco se tenha debruçado sobre ele.
O estado de "fluxo", ou de "fluir", ocorre naqueles momentos exaltantes em que nos entregamos ao exercício de uma actividade que nos dá um prazer máximo, e que depende de nós: não somos obrigados a ela, mas desfrutamo-la; mesmo as dificuldades que lhe são inerentes, e a constituem como um desafio, fazem parte do prazer que nos proporciona; a atenção, a fruição, a intensidade com que nos oferecemos a essas experiências, permite que o nosso ego esteja voltado para si próprio, diferenciando-se, mas também voltado para o que o transcende, integrando-se, numa unidade orgânica em que cresce e se torna sempre mais complexo. Por outras palavras: a multiplicação de tais experiências é, em si mesma, evolução, complexificação.
A experiência de criar, ou do fruir da arte, ou do pensar, ou do desporto, ou da dança, ou da leitura (e certamente que a leitura absorvente de Fluir), correspondem a momentos de fluxo. A felicidade não é uma dádiva: é um "fazer acontecer". Nada de novo, talvez. Mas acredito que nunca seja de mais lembrá-lo.
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