sábado, 2 de março de 2013

FREUD: SOBRE OS SONHOS



Ricardo Araújo Pereira acedeu a um convite do clube de cinema Gostos Discutem-se, da minha escola.
Escolheu um filme: "Annie Hall", de Woody Allen.
E após a exibição, conversou connosco, num auditório repleto de alunos que lhe bebiam as palavras, a respiração, as pausas, e professores que faltaram porventura a reuniões fundamentais porque se esqueceram de tudo quanto não fosse aquele momento único e - nos precisos termos em que se deu - irrepetível.

Ricardo Araújo é um homem culto, que fala despretensiosamente acerca de Adília Lopes, Mark Twain, Groucho Marx, David Lodge, das teorias de Hobbes ou de Freud. E todos saem curiosos, com vontade de ir à procura para conhecerem [os mais novos] ou para recordarem [os mais velhos]

Nessa sessão, Freud foi referido a propósito do riso e da sua explicação para o facto de o homem rir. Gostaria muito de encontrar esse específico ensaio sobre o riso; na falta dele, apeteceu-me simplesmente regressar a Freud, tão vilipendiado ultimamente, tão maltratado pelos intelectuais que se asseguram e nos asseguram de que, na sua essência, a psicanálise é um mito. E uma fraude.

Leio Sobre os Sonhos, um extraordinário livro de menos de cem páginas, onde, pela primeira vez, Freud aplica ao sonho o seu método, que tão bons frutos vinha dando quando usado nas psicopatologias. A proximidade entre o sonho e a neurose era notória, a intervenção do inconsciente nos dois casos, transformando um conteúdo latente num conteúdo manifesto enigmático e bizarro, parecia inegável.

E percebemos que o equívoco reside num outro lado: independentemente da personalidade manipuladora de Freud, ou de aspectos menos simpáticos da sua biografia, o ponto em que tudo se confunde é o de saber se a psicanálise pode ser considerada, ou não, uma teoria científica. Se falamos de uma ciência estrita, segundo preceitos invioláveis, à maneira de Karl Popper, então não, o discurso freudiano é pouco científico; se, pelo contrário, falamos de uma reflexão que confere sentido às nossas indagações e observações, ligada a uma prática e a uma terapia [pelo que não se trata de filosofia, rigorosamente], a psicanálise continua sendo, malgrado os erros ou as incongruências, uma profundíssima e interessantíssima abordagem do psiquismo.

Na leitura de Sobre os Sonhos acompanhamos, com o mesmo fascínio de quem se prendeu a um romance intenso, a reflexão de Freud, como se a víssemos construir-se diante de nós, e connosco, passo a passo, em torno de muitos exemplos concretos de sonhos, que ele nos narra, dos problemas que esses exemplos nos põem, e de analogias muito ricas que lhe possibilitam conclusões extremamente criativas.

Possivelmente, Freud tem razão. Cada vez mais estou convencido de que não há verdade que não seja precisamente isto: um discurso que explica, ou seja, oferece um sentido, justificado pela observação minuciosa e por um raciocínio sem quaisquer preconceitos. E tudo isto Freud faz - e até um pouco mais: fá-lo de um modo muitíssimo interessante.    

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