quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

MARIO VARGAS LLOSA: TRAVESSURAS DA MENINA MÁ

Parecerá estranho que, sendo eu um admirador da obra de Vargas Llosa - desde há muito, ou seja, para o que importa, desde antes de o terem nobelizado -, nunca tenha tido a oportunidade ou a curiosidade de ler um dos seus romances mais interessantes, Travessuras da Menina Má. Leio-o agora: não é tarde de mais.

Há um fio neste romance: a própria "menina má". Apresentada logo no primeiro capítulo, ela é, desde miúda, uma rapariga que procura integrar-se e ser bem sucedida através do embuste. É o fio porque, ao longo do tempo, a chileninha vai desaparecendo, e reaparecendo sob uma nova forma, sob, digamos, um outro avatar, inesperado, improvável, fascinante. Para o narrador, porém, tudo recomeça a cada reencontro: se a menina má transforma, de cada vez, a sua identidade, o que subjaz permanentemente em todos os momentos desta evocação, o que nunca realmente muda, é a paixão desenfreada deste rapaz, depois jovem, por fim homem maduro, por ela; esse amor doentio e obcecado, contra o qual luta, mas sempre em vão.

Uma pergunta do domínio da ética: será a menina má realmente uma "menina má"? Bem. O título introduz essa ambiguidade e justifica a questão. Ao nível da maldade, não falamos de "travessuras", mas de malignidades, malevolências, maldades. A travessura comporta um elemento de inocência e de infantilidade. A paixão que o narrador por ela nutre predispõe-no, é claro, para uma espécie de perdão antecipado. Há todavia qualquer coisa de efectivamente terrível, indesculpável e pérfido nesta espécie de louva-a-deus; esta mulher que usa os homens como instrumentos tolos para alcançar os seus objectivos, e os cospe na maior das misérias e do sofrimento quando deixam de lhe servir. Mas, simultaneamente, compreendemo-la: à sua visão egocentrista, à sua ironia em relação a todo o compromisso, ao seu desprezo, à sua ausência de amor. É uma "menina má" profundamente humana e sofredora, é uma "menina má" carente e frágil, uma falsa dura, e nessa capacidade de penetrar no fundo dessa imensa fragilidade reside um dos méritos maiores deste romance que recusa julgar - que prefere amar.

Mas se a menina má é o fio, cujos aparecimentos e reaparecimentos conferem a unidade da história, não menos interessante é o modo como o romance vai extrapolando desse fio para outras esferas e para outras personagens, oferecendo-nos um retrato do Peru, de França e de Inglaterra [Paris e de Londres dos anos sessenta e princípios dos anos setenta] ou até do Japão ou Espanha: os guerrilheiros, os existencialistas, os hippies, os gentlemen e as ladies, os tenebrosos Fukuda, numa reconstituição deliciosa de um mundo em transformação e crescimento.

2 comentários:

Mônica disse...

Olá!
Muito interessante seu blog. Parabéns!
Gosto muito da literatura de Vargas LLosa, mas fiquei um pouco decepcionada com este livro. Não que, para mim, ele não traga pontos interessantes ou não prenda a atenção do leitor; ele tem seus méritos. Mas, no geral, achei os personagens fracos, os diálogos bobos e o panorama histórico superficial. Interessante ao falar do Peru, mas, novamente digo "para mim", até nisso ele peca: classifica grupos como o Sendero Luminoso como terroristas, mas não justifica o porquê de eles terem chegado a este ponto...

josépacheco disse...

Pode ser que tenha alguma razão, Monica. O que me parece é que o interesse que um livro venha a ter para nós, depende muito da "chave" a partir do qual entramos nele; por sua vez, a chave tem tudo que ver com a nossa disposição, interesses, emoções, no momento da nossa vida em que calha cruzarmo-nos com o livro. A minha chave era aquele amor sofrido e incorrespondido, em que porventura me revi. Era a maldade que não é maldade - mas, então, que é? Egoísmo, indiferença, medo? A minha chave para este livro era ética e emocional. Estava predisposto para gostar dele.