quinta-feira, 14 de abril de 2022

JOÃO PEDRO VALA: GRANDE TURISMO

 Para ser completamente honesto, João Pedro Vala já me tinha conquistado antes de eu poder ler-lhe o primeiro romance. Bastara-me a referência ao seu interesse por Marcel Proust, e à tese que produziu, entre uma universidade portuguesa e uma outra, norte-americana, sobre Em Busca do Tempo Perdido, para que uma afinidade primordial com o jovem autor e o seu olho atento ao que vale a pena me predispusesse a ir ao seu encontro. 



Grande
Turismo sofre a influência proustiana, sob a forma, porém, de dever satirizá-la, sátira essa em que se lê mais a homenagem e a humildade, do que a crítica ou o sentimento de superioridade. Como se João Pedro Vala pensasse: "Para refazer a experiência de um romance cuja matéria coincide com o tempo, recuperado pela memória do narrador, sem parecer que me meço com Proust, deverei escrever uma espécie de caricatura, em que o narrador emergirá sistematicamente falhado e ridículo."

Nada de confusões: a falha, a insegurança e o ridículo estão já contidos no Marcel de Em Busca do Tempo Perdido, e em todas as suas personagens; contudo, enquanto aí se conjugam numa linha subtil, em parte cómica, sim, que, simultaneamente, suscita tristeza, indentificação e redenção, no romance de JPV são desenhados com o traço grosso da comédia. A aura romântica foi completamente substituída por uma estratégia humorística. O narrador - que, como em Proust, partilha o nome do autor (neste caso, aliás, completamente, nome próprio e apelidos: "João Pedro Vala") - parece-nos mais um Woody Allen do que um Marcel.

As suas memórias vêm deliberadamente descosidas. Não se procura o tempo como a substância que as une secretamente e lhes daria sentido. A chave é, pelo contrário, a descontinuidade: momentos que nascem de si próprios e não se ligam senão pelo narrador e 


umas quantas personagens comuns. 

Não se trata, pois, na sua linguagem muito bela, original e poderosa estilisticamente, de uma reconstituição do passado que o resgata e justifica, como Em Busca do Tempo Perdido, mas da exposição auto-irónica, como à procura dos momentos mais risíveis, em que a existência de João Pedro Vala, o narrador, se revela como desacerto, absurdo e ridículo. Como se se procurasse o lado inverso do romance de Proust. 

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