sábado, 25 de maio de 2019
KAREL CAPEK: A GUERRA DAS SALAMANDRAS
No Facebook, Ana Cristina Pereira Leonardo publicou uma imagem da capa de A Guerra das Salamandras, na edição portuguesa da Teorema, perguntando-se como justificar o facto de nunca, até então, haver descoberto e lido esse livro. Mário de Carvalho respondia-lhe que era, realmente, imperdoável. No seu próprio mural fez, mais tarde, uma alusão às palavras da Ana Cristina, ao livro e ao Autor em causa, acrescentando qualquer coisa como (e cito a partir de uma frágil memória) ser por aí que passa a literatura.
Esta irónica e sagaz interacção facebookiana pôs-me na pista da tradução que, shame on me!, também não conhecia.
Em nota mais que marginal, parece-me interessante começar por tocar em certa afinidade humorística entre este romance e O Valente Soldado Shweik, de Jaroslav Hasek, como se a partir desta comparação pudéssemos intuir um típico sentido de humor Checo. De resto, esgotada essa afinidade, as diferenças entre as duas obras são mais evidentes do que as semelhanças: enquanto a história do "bravo" militar nos oferece o ridículo de um império e de uma época, A Guerra das Salamandras é também uma hilariante e feroz sátira, mas sob a forma de uma história de ficção científica.
Compreendemos perfeitamente a sedução de Ana Cristina Pereira Leonardo: Karel Capek constrói, nos anos 30, um romance que é de uma inventividade fulgurante, cruzando e misturando diferentes tipos de letra (graficamente falando) e diferentes tipos de discurso (do narrativo ao jornalístico ou ao ensaístico e ao «paper» científico). É muito, muito, muito bom. Não impede que, para ser absolutamente honesto, considere essa dispersão no estilo e nos ângulos sob que trata o tema, a causa de uma qualidade desigual da obra. Ou seja: em última análise, todos os fios da malha se compreendem, todos são de uma espantosa originalidade, todos contribuem para a perfeição da peça de malha no seu todo. Mas se alguns dos fios nos agarram e nos mantêm cativos, outros, como dizer? são chatos, e longos, e lentos.
Esta história sobre o achamento, pelos humanos, de salamandras inteligentes, com as quais estabelecem uma aliança inicial, uma troca de serviços, que mudaria para uma espécie de escravatura dos répteis, que vinham entretanto proliferando, pode ser lida como a tragédia do encontro dos povos ocidentais com os seus "outros" (em África, na Ásia, nas Américas): está lá tudo. As boas intenções, o impulso da dominação e o uso de boas intenções como capa para o impulso da dominação do outro até à sua extinção.
Mas porque é triste esta (ou outra) descodificação de uma sátira, um pouco como se estivéssemos a explicar uma anedota, leia-se o romance por todas as razões e nenhuma em particular. A narrativa é poderosa. A distopia que aqui se concebe (tinha de usar o termo, não tinha?) arrepia. Estes mundos possíveis nunca estão tão longe que nos não perturbem.
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1 comentário:
Li esta obra recentemente (mas não na edição portuguesa - edição inglesa comprada em Praga), juntamente com "RUR", peça escrita pelo autor, na qual tem origem o termo "robot". Ambas são sátiras brilhantes.
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