sábado, 4 de junho de 2016
3 AUTORES
Ao José Santos, que gosta de me ler.
E ao meu primo, que comigo tem testemunhado, nos últimos dias, os avassaladores sinais do fim de uma era.
Antevendo um possível ensaio que me entusiasma, mas para o qual, neste momento, me faltam forças e tempo, gostaria de reunir três autores e três romances da minha vida. A saber, O Leopardo, de Lampedusa, Au Plaisir de Dieu, de Jean d'Ormesson e Reviver o Passado em Brideshead, de Evelyn Waugh.
Os três são excelentes revisitações da mudança, tomada como o declínio de uma era - isto é, um universo político e religioso, ético e cultural -, e tudo o que com ela fatalmente se perderá, e o surgimento de uma outra, necessariamente mais justa, ainda sem tradição, equívoca; os três estão assombrados pela guerra: no caso de Au Plaisir de Dieu, pelas duas guerras, que são, num certo sentido, a mesma, única, com uma enganadora interrupção; e nos três se trata de um lugar mítico e simbólico, um castelo, um palácio, em que brilham os derradeiros vestígios de um mundo em agonia.
Neste momento, relendo Reviver o Passado em Brideshead, recomendação de meu primo, mais uma, em que, na altura, tanto me custou entrar, redescubro o prazer de uma escrita magistral, muitíssimo hábil e em que pérolas de ironia e concisão passam facilmente desapercebidas, e o gosto por personagens impagáveis.
Nem sequer me refiro às principais.
Detenham-se antes no pai do narrador, com o seu sarcasmo fatigado; em Anthony Blanche e nas análises em que gagueja certeiramente; ou em Lord Marchmain, com o seu ódio profundo sob uma superfície aprumada.
Detenham-se nas discussões religiosas, a propósito do fervor paradoxal de uma rara família católica versus o distanciamento, não de todo indiferente, que palpita no agnosticismo do narrador.
Detenham-se nas descrições dos lugares que parecem ainda puros, como se não estivessem já contaminados pelo futuro que os ameaça. E, evidentemente, sigam com interesse a vivacidade daquele triângulo amoroso bizarro, que a literatura e o cinema não pararam de reinventar, escabroso e requintado, revolucionário e delicioso, inevitável mas incompreensível.
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2 comentários:
O seu blog é, - o tempo que me amadureceu o juízo avaliador encarregou-se de me retirar toda e qualquer espécie de dúvida - a par do «MY TWO THOUSAND MOVIES», o melhor que o cyberespaço me trouxe, a mais valiosa das "poeiras espaciais".
A filigrana das suas análises arrebata-me na proporção da vibração que João Bénard da Costa me fazia sentir, ao tomar conta, na leitura das suas crónicas, do desregramento das suas paixões cinematográficas.
Cumprimentos!
José Santos
Confunde-me, José. Sinto que não mereço - mas não posso deixar de me sentir muito feliz com tamanho elogio. Muito obrigado, José. Motiva-me imenso.
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