Lembro-me de Paulo Varela Gomes numa época em que este era uma estrela em ascensão, jovem, culturalmente polivalente, de conversa apetecível, marcada por achados de espírito incandescentes como chamas de um cigarro chupado com vivacidade. Depois, desapareceu. Publicou, recentemente, dois romances.
À biblioteca de que sou frequentador solicitei que adquirissem um deles: Hotel. Como a biblioteca demorou séculos a consumar a referida aquisição, posso dar-me agora ao luxo de escrever sobre Hotel sem quebrar o compromisso tácito de não comentar, neste blogue, livros da moda. Ora este está já longe de o ser.
Tal como em Cidades Invisíveis [mas no que vou dizer se esgota a analogia entre as duas obras], também Hotel é um romance acerca da construção humana como forma de dominar o espaço; e de como essa "construção" tende a revelar, em cada passo, a surpreendente ambiguidade entre a utilidade e a fantasia. As cidades desconhecidas, submersas, ocultas sob o que principiamos por ver, ou o que nas cidades é a face invisível do que nos aparece, contém sempre, em si, uma dimensão irredutível ao que seria óbvio, e prático, e porventura mais conveniente para os seus habitantes. Também o hotel de Joaquim Heliodoro nos vai sendo descrito ao longo das fases da reconstrução do que fora uma antiga moradia. O próprio arquitecto, que está ao serviço da concepção do proprietário, vai sofrendo dúvidas e receios: nem sempre compreende o sentido do plano de Heliodoro. Hesita. Discorda, até. Mas é evidente que, no fim, quando as obras no hotel [ou o hotel como obra] são concluídas, terá de se render ao dramatismo do monumento que foi recriado. Um edifício impregnado de sonho, cujos modelos são mitos e estórias, sob o contínuo halo do mistério e do romantismo.
