Lendo, displicentemente, um livro a que, entre mais dois ou três prémios, se atribuiu o Pulitzer [foi o Pulitzer, não foi?], cujo título é O Terceiro Chimpanzé, dou por mim quase a bocejar ante a sensação de déjà-lu. Não preciso muito tempo para situar a origem desta minha ausência de surpresa. Há muitos anos, era eu um adolescente curioso e complexado, descobrira e li, mas então sim, num vórtice de fascínio e espanto, o estimulante O Macaco Nu, de Desmond Morris.

«Existem actualmente cento e noventa e três espécies de macacos e símios. Cento e noventa e duas delas têm o corpo coberto de pêlos. A única excepção é um símio pelado que a si próprio se cognominou Homo sapiens.»
A etologia, essa assustadora ciência que devolve o homem à natureza, num estudo comparado que detecta padrões comuns do comportamento humano, de gansos ou de ratos, foi para mim, à época, uma revelação de que nunca mais me consegui inteiramente lavar. Sobretudo no que respeita à sexualidade. Um dos capítulos de O Macaco Nu constitui uma fenomenologia minuciosa do acto sexual, que não deixa de fora a sedução, a aproximação, o envolvimento dos corpos, descrevendo as alterações físicas, a mudança da respiração ou do batimento cardíaco, projectando para o puro delírio a minha mente então virgem. Mais poderosamente do que o faria uma revista pornográfica.
Claro que, hoje, não tenho dúvidas de que uma redução, não é verdade?, reduz... O homem é mais do que um macaco. No mínimo, mais do que um macaco entre os demais: será necessariamente um macaco especial [e, para já, tão interessante como a sua particular quase ausência de pilosidade é, sem dúvida, o inacreditável facto de o falo humano ser o de maiores proporções entre todas as espécies de símios: maior do que o do gorila, quem diria?] É evidente que a redução do ser complexo, em que o homem se tornou, à sua mera animalidade, comporta perigos; se é uma útil machadada na arrogância antropocêntrica, não deixa de nos embaraçar com uma interrogação delicada entre mãos: a de saber se a moral, por exemplo [na medida em que contraria o instinto, e se propõe "elevar" a nossa acção] não se resumiria então, ou a um constrangimento artificial, ou a uma mera superestrutura que mascara móbiles indispensáveis para a adaptação da espécie. Seja como for, e com as devidas precauções - que se aplicam, de resto, a todas as "reduções", da psicanálise ao marxismo, sem que por isso deixem de ser teorias riquíssimas e muito instrutivas - O Macaco Nu é uma obra aliciante. O seu carácter desmistificador é de uma lucidez arrepiante. E mantém-se saudavelmente irreverente.