domingo, 1 de dezembro de 2013
JOSEPH ROTH: HOTEL SAVOY
No Hotel Savoy, onde em tempos penosos de um pós-Guerra se reúnem pessoas de diversas proveniências, os clientes são distribuídos consoante os seus bens: os mais abastados ocupam os quartos do rés-do-chão e dos andares próximos deste, enquanto os empobrecidos - que nunca sabem como vão pagar em cada mês, e se empenham ou vendem o que podem - são empurrados para os andares superiores. Roth escreve, em certa passagem: «Como se se pudesse cair para cima.»
Reconhecemos nesta frase a raiz de um tipo de inversão e de paradoxo em que beberam certamente Gonçalo M. Tavares ou Afonso Cruz, o que, parece-me evidente, só abona a favor destes, e das suas influências e leituras.
Mais do que no seu outro romance aqui já por mim comentado, em Hotel Savoy, que é uma obra-prima de concisão, ou do exprimir de inesperados universos de ideias, em frases curtas, brilhante e revolucionariamente certeiras, Joseph Roth oferece-nos, em cada linha, intuições em que nos detemos, temos de nos deter, descrições sobre que somos obrigados a demorar-nos, imagens cruéis ou subitamente ternas.
Roth ensaia o a que eu chamaria uma escrita de pós-guerra: as frases são blocos de sentido que permaneceram, entre hiatos, crateras, ruínas. Pressentimos sempre que, em redor de cada foco de sentido erguido, à beira de cada período que acabámos de ler, buracos negros esperam por nós. Os períodos são curtos, as ideias brilham com intensidade, enganam-nos enquanto promessas de paz - mas não nos enganam para sempre.
As personagens definem-se nos seus egoísmos de gente rica que não gosta de gastar solidariedade, ou de gente pobre que não pode dar-se a esse luxo. Mas, no entanto, é sempre um laço entre pessoas o que se retém. Humilde, débil. Um interesse íntimo, uma bondade secreta e serena, entre obsessões grotescas, amores efémeros, ou o surgimento de novos negócios. Aguarda-se ansiosamente (desde o princípio, e constantemente) Henry Bloomfield, uma espécie de Godot que nunca se sabe quando virá, e que há-de chegar quando e como ninguém espera:
«De repente, o Bloomfield apareceu. Com os grandes acontecimentos, sejam eles cometas, revoluções ou casamentos de príncipes, as coisas passam-se sempre assim. Os grandes acontecimentos gostam de fazer surpresa, e estar à espera deles só os adia. [...] A essa hora já não circulavam comboios - Bloomfield também não veio de comboio - acaso poderia o Bloomfield depender dos caminhos-de-ferro? [...] Henry Bloomfield era uma pessoa assim: o certo parecia-lhe incerto, e como todas as pessoas confiavam nos caminhos-de-ferro como confiamos nas leis da natureza, no Sol, no vento, na Primavera, Bloomfield era excepção.»
Bloomfield insinua um novo mundo. Uma espécie de renegação do passado, mas talvez não tanto.
Em todo o caso, a vida reconfigura-se: porventura um dia se descobrirá que a esperança é, na sua paradoxal e ilusória persistência, uma luz também efémera.
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