quinta-feira, 6 de dezembro de 2012
JACQUES BARZUN: DA ALVORADA À DECADÊNCIA
Jacques Barzun faleceu este ano.
João Pereira Coutinho, um jovem conservador inteligente, culto e com sentido de humor, numa crónica referiu-o conjuntamente com Gore Vidal, sublinhando a morte próxima de ambos como uma drástica perda para a cultura.
Sobre Vidal, tenho pouco a dizer: infelizmente, nunca fui capaz de ler até ao fim nenhum dos seus livros. Se há autor maçudo e desinteressante, à luz das minhas tentativas sucessivamente defraudadas de me entusiasmar com o que escreveu, é este romancista norte-americano.
De Barzun, pelo contrário, lera um livro esplêndido, The House of Intellect. Meu primo recomendara-mo e ofereceu-mo, chamando a atenção para a agudeza da crítica às tendências erróneas do sistema de ensino - e isto muitos anos antes de essas tendências se terem tornado moda, e uma moda absolutamente devastadora. O pânico em relação à exigência e ao rigor, a rejeição da frustração como factor de aprendizagem e de crescimento, os ensinos "facilitadores", em suma, o «eduquês», eram já sagazmente detectados e analisados, e as suas consequências (à época, ainda não totalmente previsíveis) antecipadas com uma fundamentação persuasiva.
Mas meu primo dissera-me que, se The House of Intellect era uma livro a não perder, já o "resto" da obra da Barzun parecia dispensável, como se este se tivesse esgotado na sua obra-prima.
Li, porém, recentemente, do mesmo autor, uma história do pensamento, de 1500 até aos nossos dias, chamada Da Alvorada à Decadência; lamento discordar do meu primo: é uma obra que merece a leitura por várias ordens de razões: pela clareza do texto, antes de mais, sem pedantismos nem, por outro lado, excesso de simplicidade ou pouca substância. Pela originalidade e pelo brilho da tese que subjaz à obra - como se depreende do título, a ideia de que não assistimos a um "progresso" do pensamento, mas, pelo contrário, a uma "queda": uma decadência da qualidade, da profundidade, da riqueza intelectual, substituídas por mecanizações do raciocínio e por uma visão científica estreita, herdeira e radicalizadora do divórcio entre dois mundos culturais (as ciências e as humanidades). Finalmente, pela apresentação de pensadores pouco conhecidos, mas inovadores e criativos [Veja-se o caso de Fénelon ou de Beddoes, ou do estimulante Hazlitt], os quais, em diversas àreas [na religião, na filosofia, nas artes, nas ciências, na política], sob o olhar, muito pessoal, que Barzun nos oferece da história da cultura, teriam constituído figuras e momentos essenciais na marcha do Espírito.
Há citações, a negrito, à margem, tanto dos próprios pensadores tratados, como de comentadores, que não sublinham nem repetem a explicação, mas acrescentam algo; há uma identificação dos temas ou dos conceitos que vão surgindo no tempo, e guiando a razão; há uma desmontagem contínua e provocadora das leituras, sobre a história, que se tornaram dominantes e a história consagrou como leituras oficiais da história. Há níveis variados de reflexão, que nos interpelam, e são motivo de discordância do leitor, ou da ampliação e da reformulação dos conhecimentos que tínhamos por assentes.
E, portanto, sinto-me em condições de, relativamente a Barzun, gratamente contrapor, à descoberta que o meu primo me proporcionou, uma descoberta que este não pode ignorar. Da Alvorada à Decadência é um livro a não perder.
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1 comentário:
Sem dúvida, é imperdível. Para mim, a estrutura do livro é extraordinária (especialmente aquelas partes com os pontos de vista a partir de certas cidades, em certos períodos).
Fica-se muito mais rico ao ler-se esse livro.
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