segunda-feira, 25 de junho de 2012

COLLEEN MCCULLOUGH: PÁSSAROS FERIDOS



Lembram-se de Richard Chamberlain? Foi o "Dr. Kildare". Mais tarde, provavelmente nos anos oitenta, representava o papel de Padre Ralph de Bricassart na sua veloz subida pelos patamares da hierarquia da igreja católica, apostólica, romana. A série televisiva em causa chamava-se Pássaros Feridos.

Talvez por causa de Chamberlain, que era um canastrão, ou por força da inevitável analogia com outras séries norte-americanas exibidas pela mesma altura, todas elas demoradas sagas que se moviam sob a ideia fixa de alguma família poderosa e conflituosa, nunca o romance Pássaros Feridos me suscitou a menor curiosidade. Apesar de o ter comprado, há anos. Principiei a lê-lo no outro dia tão-só porque ali estava ele, em alguma estante remota; e porque (é verdade), em tempos de crise, tomei a sábia decisão de comprar menos e "reler" mais ou, alternativamente - foi o que aconteceu - descobrir obras que, por isto ou por aquilo, fora deixando para trás.

Pássaros Feridos narra uma história que desperta ecos de muitos romances de que gostei. Não o digo para o diminuir, como se se tratasse da maçada de andar a tropeçar, página a página,  no "déjà-vu"; digo-o para o enaltecer: o facto de beber em outras fontes (e que fontes!) não significa aqui senão que Colleen McCullough teve o anseio de escrever um clássico. O seu modelo é certamente reconhecível: mas é notável como, buscando, para as suas ideias ou para as suas personagens, algumas das referências mais belas e mais intensas da literatura contemporânea, constrói um romance de uma pujança e de uma autenticidade que não deixam partir o leitor sem se cravarem fundamente.

A primeira das grandes obras para que esta remete é Lolita.  Aí encontra a substância do amor obsessivo de um homem maduro por uma criança. É o rasgão com o "politicamente correcto", a ousadia de tocar no inaceitável, não o tornando aceitável mas compreendendo-o, sempre no limiar do pavor do pecado; ainda mais porque se fala de um padre, isto é, de uma pessoa para quem a ideia de pecado não é desprezível.
Outra das grandes obras seria O Monte dos Vendavais: pela personagem atormentada, o filho rebelde e renegado, com o seu fervor de vingança, o seu desamor envolvendo um amor incompreendido e impossível; ou pelo magnífico tema - dificílimo de tratar - de um "falso casamento": um casamento de conveniência, que corroerá os que o escolheram como hipótese de esquecer o amor impossível. Mas vejo ali, também, evidentemente, E Tudo o Vento Levou: a mesma grandeza de espaços de que se erguerá uma Nação (no caso de Pássaros Feridos, a Austrália, no outro, os EUA), e o mesmo tipo de relações tumultuosas e equívocas, no âmbito de uma família que procura apoiar a filha de certo modo rebelde, mas também dirigi-la, manipulá-la.

É um romance vagaroso e vigoroso. Sem tempos mortos nem, o que me parece ainda mais difícil, momentos precipitadamente resolvidos. Cada nova perturbação, ou escolha, desenvolve-se num rumo suplementar, um fio mais, que a autora segue, sem o apressar, mas não perdendo de vista uma totalidade magistralmente edificada.

2 comentários:

Paula disse...

Gostei muito deste comentário :)
Não cheguei a ler Pássaros Feridos na sua totalidade, mas vi o filme muitas vezes e adoro! E tudo o que diz faz realmente sentido :P não me tinha apercebido embora já tenha lido Lolita, O Monte dos Vendavais. E tudo o vento levou não li, mas vi o filme!
Gostei muito da sua apreciação :)

josépacheco disse...

Muito obrigado, Paula. Fico muito satisfeito com a sua apreciação à minha apreciação.