domingo, 5 de julho de 2020
JOÃO TORDO: A NOITE EM QUE O VERÃO ACABOU
Anunciado como incursão de João Tordo no thriller, e com o sublinhado que, algures, terei lido (numa entrevista ao autor? em informação de badana?) lembrando-nos que o policial é, afinal, um género maior e que JT conhece bem os Chandler e os Stout, A Noite em que o Verão Acabou é um romance noir de 667 páginas, que faz mais lembrar, na verdade, os de Joël Dicker: A Verdade sobre o Caso Harry Quebert, ainda há quem se lembre? Isso tanto pela extensão, até porque os americanos raramente se alongam assim para nos servir o assassino, como pelo ambiente reconstituído em torno de uma vilória norte-americana, aparentemente pacata, qual um lago que esconde, no fundo, um passado em que ninguém quer remexer; ou ainda por um certo tipo de personagens, a começar no narrador, aspirante, mais ou menos frustrado, a romancista, passando pela protagonista, que o convencerá a persistir na investigação da morte do pai dela; e acabando nos típicos cromos de uma povoação como Chatlam: o repórter de um jornal de província, o sheriff, a empregada de um daqueles cafés de beira de estrada que nos habituámos a ver no cinema.
Evidentemente, fazendo a comparação, será justo acrescentar que se trata de um Joël Dicker francamente melhor. Se Dicker se deixa resvalar com certa precipitação para uma intriga com inverosimilhanças que se multiplicam em focos risíveis, João Tordo mantém o pulso, e constrói com firmeza uma odisseia entre o Algarve - onde, na sua adolescência, o português Pedro Taborda, de férias com os pais e a irmã, se sente atraído pelo perfil complexo e misterioso de uma família de norte-americanos, os vizinhos Walsh, mais os respectivos satélites - e os EUA, em que se reencontrarão anos mais tarde, lutando com (e contra) um amor que Pedro Taborda e Laura Walsh não podem mutuamente confessar - porque ele se casou, tem um filho, é fiel - e um crime que querem solucionar. Uma viagem, portanto, no espaço e no tempo, num encadeamento ora nostálgico, ora vertiginoso, entre os anos da adolescência, os da juventude e os da maturidade, que o Autor nunca deixa descarrilar: diálogos convincentes, "à americana", linhas secundárias que estimulam o interesse (como a fraude vergonhosa através da qual Pedro Taborda conseguira que uma universidade norte-americana o admitisse, e está sempre a um passo de ser descoberta), e a máquina bem oleada que leva a que nos enganemos na descoberta do assassino, tornam A Noite em que o Verão Acabou um romance despretensioso, que se lê com muito gosto.
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