sábado, 15 de janeiro de 2011

MIGUEL-MANSO: SANTO SUBITO (COMEÇADO A LER HOJE MESMO)



Voltei à Trama. Falei com Catarina que, no primeiro dia, seguindo o mandamento da sua voz interior, me não ligou nenhuma, completamente presa ao trabalho, e hoje me prestou uma atenção e um sorriso que me deixaram bem disposto para o resto do dia.

E saio de lá com Santo Subito, de Miguel-Manso, que me fora indicado pelo Homem do Fraque como um dos livros imperdíveis do ano passado.

Esta poesia de Miguel-Manso remete para uma cultura dos livros: Regresso à Biblioteca de Francisco Vieira, por exemplo, que é uma das partes do livro, evoca, nos títulos, Li Ching-Yuen, Àlvaro de Campos/Fernando Pessoa, Camilo Pessanha, Wenceslau de Moraes, Joseph Conrad, Peter S. Clements, Karl Marx-Friedrich Engels, João Falco/Irene Lisboa, Soeiro Pereira Gomes, Heinrich Harrer, Herberto Helder. São poemas que, mesmo quando mais longos, e alguns são-no, outros não, vivem, cada um deles, de um ângulo, uma invenção, um achado poético. Às vezes, um único verso é, como um aforismo, uma síntese total, uma descoberta poética.

Neste livro em que a experiência da cultura, da poesia e até simplesmente da língua latinas, isto é, do Latim como língua em que se exprimiram o melhor da cultura e da poesia, são um esteio permanente, há todavia uma erupção da fala simples, jovem, contemporânea, coloquial («A poesia, tipo,/ não precisa de, bom,/não é exactamente uma canção, uma praça ou um parque de Outono [...]», ou: «sim, Rui/[...]aquele mesmo hotel/cujo nome não me lembro/e é melhor assim [...]»), uma tensão entre a abundância e o despojamento (como entre o erudito e o simples) que afectam o leitor, que o obrigam a, digamos, uma leitura em estado de perplexidade. Porque, em última análise, nada, aqui, se lê simplesmente: há no verso que, numa primeira leitura, nos soa elementar, uma qualquer ameaça oculta, uma dúvida corrosiva. Um perigo sob a forma de um clarão. Uma tristeza perante os paradoxos injustos da realidade; um desafio ao que na realidade nos escapa: como no arrepiante «Café Gelo». Ou, mais metafisicamente, como perante o absurdo do nosso limite: porque, afinal, «está muito mal contado, isto da morte».

Miguel-Manso teria podido manter-se-me desconhecido? Claro que sim - como todos os autores discretos. E ainda pensam que a blogosfera não tem um papel inigualável?

1 comentário:

Anónimo disse...

Fico contente por ter gostado José. Tem toda a razão ao dizer que há muito a aproveitar da blogosfera. Há também muito a aproveitar de livrarias como a Trama, que nos permitem conhecer o que vai sendo feito numa geração que promete fazer muito. Miguel-Manso é um grande poeta, Santo Subito um grande livro, paradoxal sem acusar um vazio que vai povoando a poesia.

Os meus cumprimentos