domingo, 15 de julho de 2018

EDITH WHARTON: CINCO HISTÓRIAS DE LUZ E SOMBRA


A Editora Sistema Solar deve ter um número parco de leitores, mas, ainda assim, curiosamente, os suficientes para se ir mantendo; aprecio em particular as introduções ao autor e à obra, e respectiva tradução, que são feitas por Aníbal Fernandes. Vertendo do francês e do inglês com igual à-vontade, A. F. escolhe e mostra conhecer bem certos autores de culto, geniais, os quais nos oferecem sempre um elemento subtil e raro, que o introdutor/tradutor ajuda a desvendar.

Com Edith Wharton assim é. A técnica de desenhar a história segundo o ponto de vista de uma personagem, que, como assinala Aníbal Fernandes, E. Wharton aprendeu com Henry James (o qual desvalorizara os seus primeiros escritos, com arrogância e desprezo) permite-lhe manter a narração sob um efeito de desconhecimento, uma ignorância das razões que movem as outras personagens, ou de acontecimentos do passado dos demais intervenientes que poderiam lançar luz sobre os seus actos e esclarecer as situações.

Esse não-dito de que o leitor, naturalmente, se apercebe, mas não resolve, e sobre o qual não pode senão especular em vão, cria uma contínua atmosfera de mistério e uma sensação final de inacabamento da novela. Não é uma falha. É um meio de canalizar as dúvidas, de alargar as possibilidades, de experimentar o que não chega a revelar-se como factor de tensão, estético e narrativo.

A essa componente de incerteza perante o que realmente aconteceu, como se nunca o ponto de vista subjacente ao que se conta e a verdade definitiva coincidissem, acrescente-se os sinais do fantástico e do oculto propriamente dito, ou seja, da presença de fantasmas. Em vários destes cinco longo contos aqui compilados, perpassa a estranheza de uma figura que só poderia ser de outro mundo. Em Mais Tarde, Mary e Ned Boyne, norte-americanos rendidos ao fascínio do passado em que se banham na Europa (como a própria Edith Wharton, como Henry James), arrendam uma mansão onde consta existir um fantasma que só mais tarde (mas como, e quão mais tarde?) poderá ser identificado e reconhecido como um fantasma.

É evidente que, se estamos todos de antemão advertidos, tanto os inquilinos como os leitores, Wharton tem de dominar uma técnica que requer, e vive, de uma aguda precisão, da ordem do melhor da literatura policial, para que se não adivinhe imediatamente o que aí vem. Da "literatura policial", escrevi. E não sem razão: Ellery Queen faz, aliás, segundo Aníbal Fernandes, um elogio justificado a essa precisão nos contos de EW, "atingindo-nos para lá do que o seu desenho revela."

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