domingo, 11 de agosto de 2013

PLUTARCO: VIDAS PARALELAS



Da mesma maneira que não sou um leitor que se extasie com livros de viagens [prefiro viajar], também não serei um entusiasta de biografias. Houve excepções marcantes, é claro; mas o problema das biografias é que tende a existir, nelas, um distanciamento académico, uma lucidez de pesquisa, que perturbam a minha obsessiva exigência perante o conhecimento do passado. Ou bem que as coisas não terão ocorrido em rigor como se descrevem - até porque o autor poderia sem dúvida ter estudado as situações, mas não leu as emoções ou os pensamentos, nem ouviu certamente as alegadas palavras -, e nesse caso porque se não assume que se trata de um romance histórico? Ou bem que é um romance, mas por que se há-de fazê-lo então passar por História?

O autor de que mais suspeito - mas, obviamente, aquele que mais aprecio - é Stefan Zweig. O seu Maria Antonieta é brilhante, mas falso! José Fouché é extraordinário, mas incredível. Zweig é um romancista dotado e um investigador com excesso de zelo da fantasia.

O que me delicia em Plutarco é, em primeiro lugar, a proximidade cultural em relação aos mundos que vai expondo em paralelo, sob a forma de uma personalidade grega e de uma romana, de cada vez [por exemplo, Alexandre e Júlio César]; percebemos que há um diferimento entre estes e o autor, mas não no que respeita à cultura: Plutarco fala das referências destes homens, veja-se os deuses, com uma familiaridade e uma inocência que não podem deixar de nos tocar. Em segundo lugar, o seu programa: são homens de que a História tomou conta. Os seus feitos tornaram-se sobejamente conhecidos: libertaram-se já da mortalidade. Não lhe interessa pois, repetir o que está comummente estabelecido, mas sondar aquilo que Alberto Ongaro, em um lindíssimo título, designava por a "sombra habitada": nos minúsculos gestos, nas manias quotidianas, em atitudes ou actos olvidáveis, acedemos aos traços que mais profundamente compõem o homem. É evidente que, nos Grandes Homens que Plutarco apresenta paralelamente, os feitos estão sempre próximos, cruzam-se constantemente com os defeitos. Mas não é interessante imaginarmos Júlio César como o homem que, para além da sua vontade férrea, da sua perspicácia militar e política, estava manchado por um excesso de vaidade, notória (como teria escrito Cícero) pelo cuidado com a sua cabeleira, e uma certa maneira, quase um tique, de coçar os cabelos com um único dedo? [Pensando melhor, "cabeleira" será claramente uma hipérbole, porque sabemos que César se sentia incomodadíssimo com a sua prematura e rápida queda de cabelo; onde li, aliás, que foi ele o inventor do penteado que, para disfarçar a calvície, puxa, da esquerda para direita, os parcos fios capilares, "cobrindo", assim, o cimo da cabeça?]

No caso de «Júlio César», há ainda a gratificação de reconhecermos a leitura que terá sido tão inspiradora para Shakespeare, quando quis escrever o seu Júlio César. Está lá tudo: as sucessivas recusas, por César, da coroa que António lhe oferecia nas Lupercais; a sua reacção combativa contra os que procuravam matá-lo, até ao momento em que reconheceu Bruto e desistiu de lutar; ou o seu sangue encharcando a gigantesca estátua de Pompeu.

Iniciei agora a leitura de «António», que Plutarco contrapõe a «Demétrio»; meu primo, que acaba de visitar Portugal, vinha entusiasmado com o biógrafo. Não demorei muito tempo a compreender por que razão.      

1 comentário:

sonia disse...

Leia a biografia do Barão de Mauá, Irineu Evangelista de Souza.
Um dos mais notáveis brasileiros que já viveram neste país. O livro é excelente!!!