domingo, 29 de julho de 2012

GLENWAY WESCOTT: O FALCÃO PEREGRINO


Li-o, sob o estado de graça proporcionado pelo facto de haver sido um livro recomendado por um leitor de primeira qualidade: Pedro Mexia.
Gosto muito de Pedro Mexia, poeta e ensaísta, cinéfilo e radialista; procuro-lhe os livros, as crónicas, oiço religiosamente o programa em que, na TSF, colabora com Carlos Vaz Marques e o mais que brilhante Ricardo Araújo Pereira.

O livro em que PM me aconselhava um outro livro é a compilação dos textos do seu blogue, "Estado Civil". Chama-se precisamente "Estado Civil" e merece, também, uma palavra a que um dia me não furtarei. Furto-me hoje, para falar do tal romance que ele refere, aí, com uma paixão contagiante.

Não conhecia "O Falcão Peregrino", nem conhecia o seu autor, Wescott, da geração de Fitzgerald.
"O Falcão Paregrino" é um romance breve: ou uma novela longa?
Não importa. Importa reconhecer a mestria com que, na extensão justa, como num poema em que nada pode ser acrescentado ou suprimido, o autor vai desenvolvendo uma trama de relações que se cruzam e, no arco de uma tarde, acabam por revelar segredos, tensões que se ocultavam, intimidades que se mantinham sob papéis estabelecidos. Algo no género de "Quem tem Medo de Virgínia Woolf'?", que é um dos meus filmes predilectos: um casal visita um outro casal. [No "Falcão", o casal que recebe é um casal de circunstância, uma vez que se trata do narrador e de uma amiga, que ele próprio visitava, tal como o casal que entra depois em cena está, também, de visita].

Os visitantes são intensos e dramáticos. Ele, de uma comicidade e à-vontade que mascaram raivas e ciúmes longamente recalcados, ela, a proprietária do falcão, aristocrática e histriónica, absorvida pelo falcão que seria, ali, o protagonista dominante, simbólico, prisioneiro altivo, a própria figura de um instinto perverso, indomado - mas, por isso mesmo, frequentemente desadequado e ridículo no seu encarceramento.

Enquanto, na sala, um drama se desenrola na sua linha febril, «lá para dentro» [na cozinha] outras personagens vivem uma linha dramática paralela e quase subterrânea, de que por fugazes momentos nos chegam sinais. [O cozinheiro e a criada residentes, espanhóis, e o "chauffeur" dos visitantes.]

Mas nos desenlaces das duas linhas, que nunca compreenderemos muito bem, ou compreenderemos de forma diferente porque cada leitor construirá, daquela história, uma história pessoal, uma interpretação possível, culmina uma narração contida mas não linear, uma intensificação de segredos que perpassam e de histórias sob a história, que não são contadas e, no entanto, marcam aquelas personagens, e as suas relações, e os seus actos.

O génio está na contenção. Na forma de "simbolizar" sem reduzir nem fugir à descrição de uma realidade plausível. De certa forma, na beleza da linguagem. Na capacidade de reunir tanto em tão pouco, de modo a sugerir e a quase revelar, deixando, no entanto, tanto por revelar. O génio está, até, na simplicidade do que tem inúmeras leituras, e camadas, e cavernas. Como pode este homem ser praticamente um desconhecido no meio de uma geração tão marcante de escritores norte-americanos?  Porque era pior que os demais? Porque os seus romances não acertaram no gosto do público da época?