segunda-feira, 11 de junho de 2012

DON DELILLO: COSMÓPOLIS

Cosmópolis é um romance de que tenho ouvido falar muito, suponho até que por causa do filme de Cronenberg, que levou a uma reedição da obra pela Relógio d'Água.

Por alguma razão, DeLillo nunca terá sido um autor em que eu reparasse. Duas ou três incursões por livros seus, comprados em saldo, resultaram em frustrantes e inaceitáveis desistências. E já que enveredei pelo desusado caminho da sinceridade, acrescento esta pérola: não tinha sequer ouvido falar do filme, nem estava sob a influência dos conselhos de Adolfo Luxúria Canibal (por exemplo) quando trouxe Cosmópolis da Feira do Livro, simplesmente porque se encontrava a um preço muito recomendável.

O tema é de uma simplicidade atraente. Eric Parker, um jovem implacável, extremamente rico e poderoso, percorre as ruas de Nova Iorque porque decidiu ir cortar o cabelo. Mas na imensidão caótica das ruas nova-iorquinas, assiste, teme ou é levado a interagir com diversas peripécias. Don DeLillo elabora uma narrativa filosófica, perturbadora, por vezes desgastante mas, de novo, subitamente empolgante, saltando entre o interior da Limusina, onde se respira um ambiente controlado - e em busca de um controle total, sinalizado por ecrãs, pelo médico que observa o jovem Parker, por teóricos, de vária ordem, que com ele dialogam - e o exterior, onde tudo é choque e imprevisibilidade [a ameaça de morte a Parker, o cortejo do Presidente da República, o funeral de um cantor rap, a disseminação, por várias ruas e artérias, de manifestações anti-globalização].

A escrita é intensa e muito bela. Confesso: não o esperava. Cada período tem de ler-se com o vagar de quem lê poesia, de quem se deleita no prazer da forma, tanto ou mais do que na descoberta da história. Como num cruzamento feliz entre Em Busca do Tempo Perdido (percebe-se que Proust é um autor caro a Don DeLillo) e Nova-Iorque Fora de Horas, Cosmópolis é, no entanto, um texto muito desigual. Por vezes, parece esperar-nos pacientemente: somos porventura nós, leitores, que nos atrasamos, ou não comparecemos ao encontro; nesses momentos, teremos de suspender e recomeçar mais tarde. Outras vezes, o encantamento das palavras leva-nos com elas, sucedem-se as surpresas, há "teorizações" que nos furam o espírito, sínteses brilhantes de ironia e cepticismo.

Nos contemporâneos norte-americanos procura-se necessariamente uma alegoria social. Cosmópolis é uma alegoria: a cidade como crise; a reflexão sobre o fundamento reduzido à busca de um padrão económico; a ida ao barbeiro como odisseia.

1 comentário:

Anónimo disse...

por outras palavras, um frete de dimensões trágicas que pretendo conservar a uma saudável distância... que é como quem diz, qualquer uma apenas susceptível de ser escrita por extenso quando em unidades cósmicas.