terça-feira, 24 de abril de 2012

ANDREI NÉVI: PETERSBURGO



Anunciei, um dia, em um post, que tropeçara num autor russo que não conhecia. "Tropeçara", aliás, é literal: numa biblioteca, cheguei a chocar contra uma prateleira em que divulgavam a obra. Levei-a comigo. [Vá-se lá saber porquê. A capa? A referência, na contracapa, a este paradoxal Andrei Névi? O cheiro da alma russa? Ou, propriamente, "Petersburgo"?]

Andrei Névi era um aristocrata louco, enfant terrible et gatê, desajustado. Foi um desses intelectuais descontentes, que acreditaram ver, na revolução russa, um movimento contra o seu tédio, o seu niilismo de jovem rebelde, a sua saudade de futuro, o seu desejo de felicidade e liberdade. A obra da sua vida, escrita e muitas vezes rescrita, incompreendida, é precisamente este Petersburgo, de que Trotski, entre o fascínio e o peso da ideologia, afirmava, não sem razão: a perfeição do estilo, o rigor extremo da forma, como expressão de uma visão decadente e pessimista.

O texto é revolucionário: escrito de um modo perturbadoramente fragmentado, com reticências e travessões que separam abruptamente as ideias numa mesma frase, com hesitações que lançam o leitor numa espécie de vertigem e de incómodo, narra o complexo de relações entre um pai "geométrico" - que percepciona a realidade numa neurótica geometria: tudo lhe são figuras tridimensinais, a escada, os prédios, as ruas -, seu filho, vivendo entre uma espécie de amor-ódio pelo progenitor, uma paixão frustrada - e ridícula - por uma mulher casada e uma adesão pouco convicta ao movimento anarquista que o suga e o aproveita, uma mãe ausente que se torna subitamente presente, revolucionários que vão girando em torno do projecto de utilização de uma bomba.

Se é um romance fácil? Longe disso. As quebras e os cruzamentos complicam-se numa linguagem que é, ela própria, uma linguagem fracturada, como numa catedral em que os desvios, as transgressões e as soluções de continuidade ganham tanta importância, na visão do conjunto, como os arcos, as ligações e as continuidades. Todas as falhas são, paradoxalmente, planeadas com uma impressionante precisão. E, à maneira do "romance russo" [Tolstoi, por exemplo], os percursos individuais, as vidas concretas acabam conjugando-se numa ideia de um todo, que é a Rússia, São Petersburgo, uma época, uma revolução germinando já nas entranhas...

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