quarta-feira, 24 de agosto de 2011

RICHARD ZIMLER: ILHA TERESA


Pondo de parte as razões sentimentais, Zimler interessou-se por Portugal por causa da comunidade judaica de Belmonte: igualmente judeu, escrevendo uma tese académica, aprendeu o português, estabeleceu laços, viveu entre nós muitos anos. Suponho que passa ainda frequentes temporadas portuguesas.

Por escolha, de certo modo, Richard Zimler veio-se tornando um sujeito culturalmente anfíbio, ligado às tradições e aos costumes portugueses, conhecedor das manias e dos tiques lusos [porventura como nem os próprios portugueses, porque olhando-nos como alguém que está simultaneamente fora & dentro], mas, ao mesmo tempo, norte-americano da cabeça aos pés, apreciador daqueles desportos que movem multidões e os europeus não entendem, atento a Obama, hipocondríaco.

Ilha Teresa é, antes de mais, um testemunho de - e talvez uma homenagem a - esse cruzamento de culturas e ways of life. Sobretudo desse ponto de vista, parece-me extremamente bem conseguido: as referências, constantes, nunca são de mais: das séries televisivas ao Starbuck's, das avenidas aos cabs que as percorrem velozmente, das marcas - de cerveja ou cigarros - às músicas, tudo se constitui como uma série de ícones de fácil reconhecimento. Eis os EUA na sua imagem imediata, familiar, com a qual tem de lidar, no dia-a-dia, uma jovem emigrante portuguesa, a Teresa do título, numa família em desagregação.

A escrita é curiosa: sendo Teresa (uma jovem cujo inglês não é a língua-mãe) a narradora da sua história, a linguagem dela tem de ser imperfeita, pejada de erros e clichés; a sua perspectiva dos acontecimentos é, naturalmente, indignada e parcial. Se evitarmos a sistemática comparação com The Catcher in the Rye [que é uma das obras da minha vida, e o romance em que a técnica de Zimler vai aqui beber], a linguagem juvenil de Teresa, com alguns palavrões e frases típicas, cria, no leitor, um misto de empatia e distanciamento. Lemos sobre uma linha ténue, entre a tolerância e a intolerância, irritando-nos com a estupidez dos seus actos, ao mesmo tempo que podemos compreendê-los e, até, aceitá-los.

É um Zimler muito diferente daquele a que nos habituáramos. Seguindo uma rota inesperada: como um escritor dextro testando a sua mão esquerda, para empregar a expressão de Gonçalo M. Tavares. O que, claro, é sempre um ganho.

1 comentário:

Tiago M. Franco disse...

Gostei do livro, é uma obra acessível e de fácil leitura. Quanto a mim o livro ganho um duplo sentido quanto Zimler fala do processo Casa Pia.