quarta-feira, 20 de julho de 2011

SHIRLEY JACKSON: SEMPRE VIVEMOS NO CASTELO


O primeiro capítulo cria imediatamente um ambiente de opressão. Mary Katherine Blackwood percorre a vila, para fazer as compras da semana, e vamos adivinhando o clima malévolo que a rodeia, de suspeição, desprezo, troça, um clima que ela, paradoxalmente, teme e desafia, como num jogo.

Há, portanto, um terrível segredo que pesa na relação (ou não-relação) entre os habitantes da terra, mesmo os raros que mantêm uma certa cordialidade, como Stella, a proprietária do café, e a família Blackwood, de que Merricat (Mary Katherine) é a única com que se confrontam uma vez por semana, nessa intolerância feita sobretudo de mútuo medo.

Shirley Jackson é, sem dúvida, uma digna herdeira de Edgar Allan Poe: uma representante de mão cheia do Gótico Americano. E tornam-se-nos claras as afinidades entre ela e Donna Tartt, a autora do excelente Uma História Secreta, que afirmou (está na contracapa): «Não conheço mais nenhum autor que evoque uma tão apaixonada e imediata reacção nos seus leitores, sejam eles novos ou velhos». A minha reacção ao romance de Shirley Jackson é imediata e apaixonada, é certo, e tensa e temerosa. Um anónimo criticou-me, uma vez, pelo elogio da angústia a propósito de certo livro, mas não posso senão repetir: lê-se Sempre Vivemos no Castelo com uma angústia crescente.

A ela ajuda, sem dúvida, o ponto de vista. A narradora é a própria Merricat, e, portanto, somos sugados para o interior do sistema mental que elaborou de modo a defender-se daquele mundo opressivo; identificamo-nos, de certo modo, com a sua visão delirante, entre compulsões e mitos, numa relação mágica com os objectos, as pessoas (os bons, o que resta da sua família, e os maus, a população que os cerca), com a casa e com um passado que preferiu recalcar. Não admira que esta visão periclitante, assente em defesas mais imaginárias do que efectivas, se desequilibre com a súbita presença de um primo, que «as veio visitar e ajudar», mas, afinal, se instala - se instala visível e pesadamente, com as suas passadas e a sua curiosidade, o seu cachimbo e o seu oportunismo: são páginas magníficas na descrição da intrusão, da apropriação segura e cínica, da alteração de todo um universo a partir de uma única mudança.

1 comentário:

Eduardo Medeiros disse...

olá, tudo bem?

excelente resenha.

ainda não tive a oportunidade de ler nada da autora citada; na verdade, não a conhecia.

valeu pela resenha.

abraços