domingo, 12 de junho de 2011

IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO: NÃO VERÁS PAÍS NENHUM


«Adelaide sempre fez tudo, dizia ironicamente que era a sua missão. Só há pouco consegui contratar uma faxineira semanal.
»E isso porque empregados ganham pouquíssimo. As pessoas trabalham em troca de um prato de comida, um copo de água por dia. Não querem dinheiro, só comer e beber. Aí está a grande dificuldade. Se aceitassem dinheiro, tudo bem. Mas comida? E que dizer de água então?»

Não conhecia Ignácio de Loyola Brandão. Ouvi falar nele, uma noite, num programa de rádio. (Lembro-me de que foi ouvindo um programa de rádio, em que referiam um certo livro, que iniciei este blogue). Apresentaram-no como um autor brasileiro que terá estado sempre à frente do seu tempo, como uma «antena de alta sensibilidade», que captava os sinais do porvir, os tremendos défices e as tragédias da história e da sociedade ou do planeta, um mícron de segundo antes de todos principiarem a clamar por justiça.

Não defendo que a arte tenha causas. Entendamo-nos: não penso que se deva tornar em panfleto, em instrumento ideológico, em transmissora de mensagens. Sinceramente: é essa diferença em relação à "maioria", que me torna um leitor tão talentoso. (E nem se trata de um mérito especial. A "maioria" é péssima leitora; aliás, a ideia vale o que vale, e estou certo de que a maioria discordaria...) E, todavia, Não Verás País Nenhum é um romance de uma ironia e de uma imaginação que o tornam absolutamente imperdível.
De facto, está visto, conhecemos tão pouco da literatura brasileira...

6 comentários:

Mariana disse...

Pois então, li este livro, por recomendação de um professor. Creio que me atraiu o tema, a previsão do deserto futuro (estão quase conseguindo, a contar a floresta amazônica).

Seu título é uma paródia de um verso do Olavo Bilac, poeta oficial por excelência, parnasiano de carteirinha:

A Pátria
Olavo Bilac

Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
Criança! não verás nenhum país como este!
Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!
A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,
É um seio de mãe a transbordar carinhos.
Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!
Vê que grande extensão de matas, onde impera
Fecunda e luminosa, a eterna primavera!

Boa terra! jamais negou a quem trabalha
O pão que mata a fome, o teto que agasalha...

Quem com o seu suor a fecunda e umedece,
Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!

Criança! não verás país nenhum como este:
Imita na grandeza a terra em que nasceste!

http://www.ruadapoesia.com/content/view/117/47/

Ficou-me do livro o desagradável da previsão apocalíptica: felizmente ainda temos água, e embora o último censo tenha apontado no país 16,3 milhões de miseráveis, a vida ainda está suportável.

Quanto à apreciação final sobre a literatura brasileira, por aqui também não se conhece tanto: as pessoas se bastam com os folhetins da globo. Abraço.

josépacheco disse...

Obrigado, Mariana, pela sua visita de novo a este blogue, depois de tanto tempo de fraca comunicação... O seu comentário é extraordinário, cheio de achegas importantíssimas para entrarmos no autor e no livro. Não é que não se conheça de todo, por aqui: é que se conhecem razoavelmente os clássicos, mas quase nada dos anos setenta, talvez, para cá... (e de vez em quando descobrimos que há escritores muito bons, que não tínhamos desculpa para ter deixado que nos passassem ao lado...)

josépacheco disse...

A «fraca comunicação» não é uma crítica, claro. Mas uma constatação. (Gosto muito desta palavra, que alguém acha, de vez em quando, que eu não devia usar por ser um galicismo...). E se fosse, seria mútua.

Mariana disse...

Pois, andei um pouco sumida, envolvida que estava com a mudança de residência e me refazendo de algumas canseiras acumuladas. Mas julgo que os comentários são um fermento para os blogues, sua razão de existir, pois dão ensejo a discussões que levam a novos posts, que abrem caminhos.

Achei esta narrativa do Loyola bem intencionada, mas fraca na execução (daí o perigo do "panfleto"). Se não for recuperada a questão da crítica ao ufanismo de Bilac e cia., perde-se parta da intenção do livro. Nesse sentido, também Drummond, no ótimo "Hino Nacional", questiona o patriotismo:

Hino Nacional

Precisamos descobrir o Brasil!
Escondido atrás das florestas,
com a água dos rios no meio,
o Brasil está dormindo, coitado.
Precisamos colonizar o Brasil.

O que faremos importando francesas
muito louras, de pele macia,
alemãs gordas, russas nostálgicas para
garçonnettes dos restaurantes noturnos.
E virão sírias fidelíssimas.
Não convém desprezar as japonesas.

Precisamos educar o Brasil.
Compraremos professores e livros,
assimilaremos finas culturas,
abriremos dancings e subvencionaremos as elites.

Cada brasileiro terá sua casa
com fogão e aquecedor elétricos, piscina,
salão para conferências científicas.
E cuidaremos do Estado Técnico.

Precisamos louvar o Brasil.
Não é só um país sem igual.
Nossas revoluções são bem maiores
do que quaisquer outras; nossos erros também.
E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões...
os Amazonas inenarráveis... os incríveis João-Pessoas...

Precisamos adorar o Brasil.
Se bem que seja difícil caber tanto oceano e tanta solidão
no pobre coração já cheio de compromissos...
se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens,
por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão de seus sofrimentos.

Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?

ANDRADE, Carlos Drummond. Reunião. Rio de Janeiro: José Olympio, 1971, p.36-37.

Me interessa muita a literatura contemporânea, de 70 para cá, produzida no Brasil. Por outro lado, estou em falta com muitos clássicos, e também com a literatura de outras paragens.

Abraço.

josépacheco disse...

Alfarrobino, fico satisfeito por verificar que o meu blogue é do seu agrado. Digo-o sem ponta de ironia. Mas parece-me que na sua proposta de parceria há um equívoco, porque, tanto quanto percebi, o blogue a que se refere opera como um mecanismo para alargar leitores com o objectivo de fazer publicidade e ganhar ou dar a ganhar dinheiro. Não que eu não gostasse de ganhar dinheiro, mas "este" blogue obedece a um espírito muito mais simples e, sinceramente, não tem em vista associar-se a qualquer proposta política ou publicitária. É demasiado individual e porventura individualista (ou romântico) para isso.
Um abraço.

SEVE disse...

Aqui há muitos, muitos anos, já lá vão certamente mais de trinta, comprei, deste autor, "ZERO" mas ainda não o li, estou a vê-lo daqui na minha estante mas já ando para o ler há uma dúzia de pós-livros lidos mas tem ficado, vai ficando....alguém já leu? que tal?