quinta-feira, 5 de maio de 2011

ARTHUR KOESTLER: O ZERO E O INFINITO



1.

As etiquetas foram-me importantes, durante a minha juventude. Falo de etiquetas filosóficas ou ideológicas: tornei-me sucessivamente cristão, existencialista e marxista. Por esta ordem.
A verdade é que fui um marxista tardio, ou seja, casei com a teoria de Marx, de Engels e de Lenine numa altura em que já se conhecia muito bem a natureza da URSS, e alguns dos intelectuais mais honestos haviam posto (e há muitos anos) estrondosamente fim a namoros antigos com o comunismo soviético, apontando sintomas da opressão e da asfixia totalitárias. Já lera Orwell, já lera até As Mãos Sujas, de Sartre, e Les Aventures de la Dialectique, de Merleau-Ponty, mas nenhuma argumentação conseguira romper o meu fascínio intelectual.


2.

Um dia, li O Zero e o Infinito. Não sei sequer o que me levara a comprá-lo: não creio que já tivesse ouvido mencionar o autor. Era uma tradução portuguesa, se a memória não me atraiçoa, numa edição que tinha uma capa vermelho viva.
É um romance da autoria de Arthur Koestler: os seus camaradas de um passado comum de militância comunista apodavam-no entretanto de traidor e renegado. Koestler rompera com o partido antes ainda do Pacto Germânico-Soviético, e os seus ex-companheiros nunca lhe perdoaram que escrevesse acerca do despertar do seu sono dogmático.
«Escrever» aquele livro: em O Zero e o Infinito fala-se de um velho comunista inspirado em Trotski (e quem diz «Trotski» diz todos aqueles que, de um modo ou de outro, sofreram e sucumbiram por causa das suas discordâncias em relação ao programa de Estaline.)

3.

Resumida (e reduzida) a estes termos, parece uma obra política. É-o, sem dúvida: mas é principalmente uma obra filosófica, no sentido em que se trata - como em 1984, de algum modo - da discussão entre diferentes concepções: o poder não eliminará a fonte perturbadora sem primeiro tentar convencê-la; por outras palavras: mais do que uma luta entre forças físicas, é a uma luta intelectual que assistimos; antes do mero exercício do poder, é uma luta de ideias que testemunhamos, uma luta de olhares, uma luta pela razão. (Falsa e injusta porque, naturalmente, desigual).
É, porventura, um livro datado. Estou certo que sim.
E, no entanto, não estarei a falsear grandemente os dados se vos disser que a minha terapia ideológica (que me não tornou necessariamente um anti-marxista) principiava nesta leitura.

1 comentário:

Revistacidadesol disse...

Então, meu caro, talvez necessites nova terapia, pois têm surgido evidências de que os julgamentos de Moscou foram justos. Veja o historiador americano Arch Getty e se livro The origins of great purges.

Abs!