sábado, 23 de abril de 2011

RAYMOND CARVER: DE QUE FALAMOS QUANDO FALAMOS DE AMOR?

O conto de Carver em que certa personagem diz a frase de que se fez um título inesquecível é o conto Beginners.
Dois casais conversam. É tão simples como isto. E, na conversa, entram as histórias de amor pessoais: cada um deles conheceu outras paixões, doentias, obsessivas, perversas, cruéis, já para não falar de amor pelos pais ou pelos amigos. Dessas histórias, que vão contrapondo, procuram extrair elementos para responder precisamente à pergunta: mas o que é o amor? Quando penso numa pessoa que amei com tamanha intensidade e, com o tempo (e o sofrimento) deixei de amar, e hoje me irrita, penso no meu sentimento de então e interrogo-me: como pôde desaparecer? Dissolver-se? Como pode um sentimento tão forte tornar-se no seu contrário, ou pior: em pura indiferença?

A questão sobre o que é o amor tem também que ver, obviamente, com as suas fronteiras, limites, equívocos: haveria «amor» no homem tresloucado que, em nome precisamente do seu amor (e ciúme) grita ou maltrata a mulher?

Como Carver é um mestre do diálogo, a leitura de um conto que se vai cosendo a partir de uma conversa entre estas pessoas torna-se especialmente interessante: num certo sentido, há um efeito de realismo que nos faz crer que tomamos parte naquela conversa. Podiam ser os meus próprios amigos, certa noite em casa de um deles, bebericando algum álcool - as personagens de Carver bebem constantemente, num desespero triste -, discutindo algo tão pertinente como o amor.

O «efeito realista» de Carver é sempre cortado, como já afirmei em outro post, por um grão, corrosivo, de estranheza. Este não é excepção: a estranheza, no caso, não sendo a da situação, só pode ser a das próprias histórias que as personagens revelam: relações quase macabras, amores impossíveis: trata-se de testar, no limite, a pergunta pelo amor. Falamos de amor, mas sabemos de que estamos a falar quando falamos de amor?

4 comentários:

Zé alberto disse...

José, estava aqui a ler o seu texto e lembrei de algo que Nietzsche escreveu sobre o amor, querendo significar que a esse estado emocional acedemos quando ACEITAMOS o CONTRÁRIO (penso ser este o termo que ele usa) e, acrescento meu, nos partilhamos/entregamos ao mundo.
Essa permuta marcada pela entrega e aceitação, pela pacificação, no fundo, dos nossos impetos agressivos que tendem à cisão com os outros, ao individualismo e ao fechamento sobre si mesmo.

Penso que a busca do amor (o próprio e o dos outros) resume o nosso grande combate (vão combate? como sublinha Yourcenar a confissão do protagonista de "Alexis...").

Esse é o combate que justifica todos as nossas atitudes e actos, numa caminhada plena de esboços ora hamletianos ora quixotescos.

Afinal, quem são os felizes?...creio que aqueles que nada esperam da vida.

Gostei bastante do seu post, as suas análises são dos pontos mais estimulantes que encontro nos blogs que visito.

Mariana disse...

De que falamos quando falamos de amizade? De infância? De sonhos? De realidade? Não há dicionário que assegure a imprecisão da vida.

josépacheco disse...

Zé Alberto e Mariana deixam-me sem palavras. Zé Alberto lembra a importância que para Nietzsche tem, no amor, a aceitação do contrário. (E faz-me um elogio que me deixa babadíssimo!) Mariana com uma frase deliciosa: Não há dicionário que assegure a imprecisão da vida. É verdade. Ainda bem.

Zé alberto disse...

E para sublinhar o carácter gongórico da escrita da "velha senhora", numa das minhas rumagens pelo "Alegria do Mundo", me detive para registar este pensamento da Agustina a propósito do amor.

«O AMOR É LIMITADO. NÃO É, COMO MUITO SE DIVULGA E PENSA, UMA IMPUNE DIVULGAÇÃO EM TORNO DA CONVERSÃO DOS PECADORES OU DA COMUNICAÇÃO DOS MANSOS, OU ATÉ DA INTELIGÊNCIA DOS CONTRÁRIOS.»