sábado, 30 de abril de 2011

OS INÍCIOS E OS FINS



Eduardo Prado Coelho escreveu uma vez, a propósito já me não lembro de que «jovem autor»: «Percebe-se, na leitura das primeiras linhas, que se entrou num continente desconhecido».
Durante anos, estas palavras ressoaram em mim como uma doença. Como se fosse lícito depositarmos nas primeiras linhas de um livro de duzentas ou trezentas páginas um sinal irrefutável do valor do todo.
Tais palavras [ia emendar esta repetição, mas sigo o conselho de Pascal: cf. um post lá para baixo] regressam-me à memória, ao almoço, no decurso de uma conversa com alguém a que vim de ser apresentado, e me confessa, com humor: «Nunca escrevi um livro porque não sei como hei-de terminar». E continua, satisfeitíssimo por se aperceber da minha perplexidade: «Tenho a paixão dos finais. É um vício. Se estou numa livraria, não resisto. Zás, zás, zás. Procuro imediatamente o fim, para perceber como é que o autor conseguiu "resolver" o livro».
E inplacável, perante a namorada que o admoesta («Mas isso nunca se deve fazer, é batota!»):
«Pois é o que eu faço. Mesmo os policiais. Marcho sempre para o fim. O fim é que resolve tudo!»

Estremeci com a afirmação de Eduardo Prado Coelho, estremeço, agora, com a ironia do meu interlocutor.
Mas, no fundo, não posso dizer que discorde deles no reconhecimento da importância do início e da importância do fim. Há romances cujo início recordarei para sempre. Por exemplo, Ana Karenina. Ou o último dos dois de David Machado, qua ainda não li, mas folheei numa livraria. As primeiras linhas de cada obra de João Tordo são cuidadíssimas, de forma a que em duas ou três frases, nunca para além do terceiro parágrafo, o leitor já esteja cheio de fios a amarrar-lhe o corpo à continuação, como um Gulliver.

Mas há fins soberbos: se tivesse de me lembrar de um único, falaria do final de Os Maias, que, inexplicavelmente, me deixa sempre com um travo de melancolia, a percepção de que tudo muda e as coisas nunca voltarão a ser o que foram - o que eram. A ironia que irrompe, como se desmentisse as proclamações de Carlos e de Ega, não elimina a minha melancolia. Sorrimos com a amargura de vencidos da vida em torno de um optimismo débil e triste. É um final perfeito no testemunho da imperfeição das coisas.

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