quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

GONÇALO M. TAVARES: O SR. ELIOT E AS CONFERÊNCIAS


Gonçalo M. Tavares esteve hoje na minha escola, sabem? Ah, sim, roam-se de inveja. Apesar das solicitações, dos prémios, das viagens, respondeu com a maior das simplicidades ao meu convite, ou melhor, à minha insistência, e entrou às catorze e pouco, cansado, com a sua barba e os seus caracóis, uma voz muita pausada, para «animar» (palavra da moda) um «workshop» (esta não vou sequer comentar). Foi delicioso: o erro era o seu tema e ponto de partida - e o ponto é que no «erro», que a escola proscreve e os educadores aparam, ou corrigem, Gonçalo nos mostrou a emergência de toda a criatividade. Há algo verdadeiramente novo que não seja um erro em relação aos cânones? A um certo conceito do que «deve ser», do que deveria ser para estar certo?

De alguma maneira, O Senhor Eliot e As Conferências, de Gonçalo Tavares, é também um livro que se vai construindo em redor de um erro, ou de um ângulo errado. Ou de sucessivos ângulos errados. Obviamente, não posso dizer muito mais do que isto - e é pena, porque me apetecia, mas qualquer palavra em excesso estragaria o prazer da descoberta.

Há, de facto, um senhor Eliot como personagem: mas que Eliot é este? T. S. Eliot? Os nomes resultam, em GMT, de uma apropriação incompleta, mais simbólica do que realista: Eliot é Eliot e não é Eliot - um nome canaliza determinada energia histórica e biográfica, absorve certas referências, mantém uma aura, uma mitologia, mas, para além disso, a personagem que comunga esse nome com um escritor é uma caricatura; remete para o nomeado a partir de uma chave que distorce. Este Eliot, personagem de Tavares, é um escritor que faz uma série de conferências acerca de poesia. Cada conferência se debruça sobre um verso conhecido - as palestras têm, na assistência, Borges, Breton, Balzac ou Swedenborg. (Wahrol espreita a sala, numa das conferências, mas desaparece rapidamente).

Claro que o interessante é cada uma das comunicações de Eliot. O interessante é a abordagem de Eliot, o seu olhar clínico e racional. Os efeitos são imprevisíveis e muito engraçados. Trata-se de sete, sendo que a sétima não existe senão como título e promessa. A não ser que o meu exemplar tenha páginas a menos. Mas com Gonçalo M. Tavares não se sabe, nunca se sabe. Em todo o caso, o pequeno volume de capa alaranjada, com desenhos nervosos da autoria de Rachel Caiano, é uma obra leve e estranha, intrigante e surpreendente. O humor, a estranheza, a distorção. A criatividade usando os hábitos e as referências comuns para formar um universo paralelo.

2 comentários:

Zé alberto disse...

A escrita hiper-realista - que fareja, toca, baralha e volta a dar - do Gonçalo, já me apanhou pelos fundilhos das calças da paixão literária.
apreciei muito a frase com que você sintetiza os métodos da escrita do Gonçalo..."A criatividade usando os hábitos e as referências comuns para formar um universo paralelo."

abraço.

Tiago M. Franco disse...

Este é sem dúvida um pequeno grande livro. Já o li, voltei a ler e a reler outra vez. Quanto mais o leio mais maravilhoso se torna.