sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
A MINHA LISTA DE ALGUNS LIVROS (OS QUE ME OCORREM) LIDOS EM 2010
Meu amigo Vasconcelos acaba de engordar o grupinho de seguidores deste blogue. As minhas primeiras palavras são, pois: bem-vindo, António. Soube que o meu amigo tentou comentar - e o comentário não apareceu. Bem, não foi censura do blogue, que não possui qualquer dispositivo para seleccionar comentários. Contudo, acontece que tenho conhecimento (por um telefonema do próprio) do que A. V. me sugeria nesse comentário. Que apresentasse uma lista de uns quantos livros, de entre as minhas leituras do ano que finda, que me tivessem agradado especialmente. Começo por conduzi-los aqui, onde o homem do fraque apresenta a sua própria lista, com algumas sugestões que me ficam debaixo de olho. Quanto a mim. O livro que recomendaria em primeiro lugar é: de Cholokhov, O Don Tranquilo. (Só li o volume I de uma série deles, 4 0u 5). [O problema é que não consegui encontrá-lo nas livrarias. Nem encomendá-lo - estava esgotado, em qualquer uma das possíveis edições. Pessoalmente, fui buscá-lo ao depósito de uma biblioteca, de onde me chegou às mãos poeirento e de capa francamente danificada. Não posso, contudo, deixar de sugeri-lo, porque se um livro por que tanto se espera e se batalha, não decepciona quando por fim se alcança, é porque vale realmente a pena]. Chico Buarque, Leite Derramado Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia (para quem gosta de poesia: excelente) Ken Follett, Os Pilares da Terra (volumes I e II) George Orwell, Homenagem à Catalunha (tenho de falar aqui dele; é encantador na captação do espírito do catalão) Dostoievski, O Jogador José Saramago, As Intermitências da Morte. (Também gostei q.b. de A Viagem do Elefante e de Caim) Mario Vargas Llosa, A Cidade e os Cães Alguns policiais, sobretudo de autores nórdicos, que estão na moda. Por exemplo: Camilla Läckberg, A Princesa de Gelo E algumas releituras: Ferdinand Céline, Viagem ao Fim da Noite Joseph Conrad, O Coração das Trevas Ernest Hemingway, Por Quem os Sinos Dobram Mark Twain, Huckleberry Finn Uma boa festa, um bom ano e boas leituras.
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
AUDE LANCELIN, MARIE LEMONNIER: OS FILÓSOFOS E O AMOR
A ideia parece promissora: a filosofia tem tanto que ver com o amor, que nunca esquecemos, desde o liceu, como a própria palavra contém, na sua etimologia, o termo que em grego significa «amor», «inclinação». Sócrates, pelo menos o Sócrates inventado por Platão, que se confunde com a origem e com o destino da filosofia, é um homem que se ocupa obsessivamente com o amor: quer quando o refere (cf. O Banquete) quer, e talvez principalmente, quando evita referi-lo. Mas para além desta primeira ligação entre a filosofia e philia (enquanto impulso de todo o filosofar), mais duas ligações interessaria averiguar: 1. não será que alguns outros filósofos fizeram do amor um tema central? Que tinham a dizer, que disseram sobre ele? E, finalmente: 2. não foi a vida de certos filósofos um testemunho eloquente de amores, interditos ou não, que os ajudaram a pensar essa coisa, ou em que a sua filosofia do amor se reflectiu?
Naturalmente, o perigo de um empreendimento deste género é o da confusão entre a reflexão filosófica sobre o amor e a biografia amorosa de filósofos. Todavia, desde que se previna metodicamente tal confusão, mostrando, pelo contrário, como se não está em face de duas dimensões mutuamente alheias, mas que se interpenetram e influenciam, a obra tem pertinência e sentido. Aliás, essa dialéctica parece-me o melhor do livro: não ignorávamos as inclinações e os casos amorosos de Sócrates; nem a estranha aridez da vida erótica de Kant; nem a trágica paixão de Nietzsche por uma mulher pela qual alguns dos melhores espíritos (com seus respectivos corpos) se apaixonaram também; nem a estranha, tumultuosa e atormentada relação secreta entre Heidegger e Hannah Arendt; ou o tipo particularíssimo de parceria entre Sartre e Simone de Beauvoir. O que vale a pena é pensar essas experiências à luz das interrogações que os moviam, como vivências sobre que reflectiam ou que a sua reflexão de algum modo marcava.
O «casamento» entre Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir é, a esse respeito, interessantíssimo. A teoria e a prática nem sempre coerentes; o que ambos acordavam e diziam sobre o que era a sua relação, em contraste com o que terceiros dela disseram; a própria diferença entre o que cada um afirmava e aquilo que secretamente desejava (e viria a lume em cartas só posteriormente conhecidas) obrigam-nos a estar conscientes dos riscos da obra de Aude Lancelin e Marie Lemonnier: algo que a qualquer momento poderia resvalar para uma espécie de literatura cor-de-rosa, a palpitar de revelações chocantes sobre os famosos - mas que, na medida em que evita cuidadosamente as armadilhas da facilidade, só pode tornar-se um fascinante livro: trata-se, afinal, de mostrar como o amor foi vivido e pensado, pensado e vivido, ao logo do tempo, por pensadores dotados de corpo. A filosofia não é necessariamente uma ascese. E, no sentido que hoje atribuímos à palavra, Platão não era seguramente platónico. [P.S: a propósito do corpo: o que eu tinha em mente é que o amor é sempre físico, ainda que não seja erótico ou sexual. Existe um corpo que, olhando carinhosamente o amigo (ou pai, ou mãe), olha no fundo um outro corpo; é o meu rosto que sorri à minha filha, é a minha mão que lhe afaga os cabelos...]
NIETZSCHE PARA LOU ANDREAS-SALOMÉ, QUANDO SE CONHECERAM
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
MIGUEL DE CERVANTES: UMA CITAÇÃO DO QUIXOTE
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
O MEU BALANÇO BLOGOSFÉRICO
Quando iniciei o Profissão: Leitor não tinha quaisquer peneiras. A sério. Nem me lembro bem da história - recordo aquela espécie de fome de escrever sobre os livros que amo, numa perspectiva completamente despretensiosa, de leitor, não de académico nem de crítico. Às vezes, um livro surgia como pretexto para falar mais sobre o modo como o encontrara, do que sobre ele; mais sobre as minhas emoções ao lê-lo, do que sobre ele; mais sobre a minha vida (subjectiva e objectiva) em redor do dito, do que sobre ele. A quem raio poderia isso interessar?
E, no entanto, interessou. Suponho que as minhas primeiras seguidoras terão sido algumas ex-alunas que, um dia, me reviram, e a quem referi o blogue. Depois, chegaram leitoras brasileiras de nomes delicados e sonantes, com os seus próprios inesperados blogues. Entretanto, uma Minhota descobriu-me (a propósito de um texto sobre Dona Tartt) e, com o lirismo da sua visão e da sua escrita, veio dar-me conta do que significavam para si as leituras [em] que eu [me] expunha. A seguir, tropeçou em mim Beatrix Kiddo, cujo blogue, Tenho Estado a Ler Whitman, me permitiu a descoberta assombrada de como achar a frase memorável (que B. vai, julgo, pescando e reunindo num caderno mágico) e casá-la eternamente com a imagem justa (que B. pesquisa infatigavelmente). Mas não só: através de Beatrix abriu-se o meu horizonte blogosférico: alguns blogues de verdadeiros eruditos, que nem me atrevo a comentar para não lhes parecer demasiado simplório - mas que não resisto a consumir, como um viciado -, ou os leitores cultos e cheios de curiosidade, que, no longínquo Brasil, sinto tão próximos (Velton Clarindo e Jamil) ou, em Portugal, os perfeitos Anita no Alfarrabista, Rua da Abadia e a A Namorada de Wittgestein.
Só mais tarde Mariana se cruzou comigo. E a minha sede de cultura brasileira (onde eu já encontrara literatura, poesia e música sublimes, cinema e teatro muito bons, o melhor e o pior da televisão, uma imprensa excelente e variadíssima, um trabalho de tradução cuidado, rigoroso e extremamente amplo...) foi sendo mitigada pelo seu blogue profundo e riquíssimo, repleto de caminhos e de surpresas, de jogos de linguagem e de reflexão, não desdenhando dos casos de vida, da profissão, música por todos os poros, cinema. Mariana discute comigo. Obriga-me repensar e a voltar atrás em certos preconceitos. Lança barcos como quem dispara setas, sem repouso. Indica-me novos blogues: fez-me descobrir Zé Alberto, ousado e inventivo amigo do rendilhado barroco de Agustina e da ferocidade provocadora de José Vilhena.
E, tenteando, tacteando, sinto-me profundamente realizado neste blogue pelo que ele tem de abraço, de conexão, de comunicação vital. Como diz um certo anúncio: Podia viver sem ele?! Podia. Mas não era a mesma coisa...
domingo, 26 de dezembro de 2010
CITANDO SOLOMON: ACERCA DO ESTILO EM FILOSOFIA
Robert C. Solomon, Living With Nietzsche - uma das minhas prendas natalícias. (Tradução minha, para o bem e para o mal...)
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
UMA MENSAGEM BREVE
Conto muito com uns quantos.
Logo volto.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
FRADIQUE MENDES: O INEFÁVEL PACHECO
Eça de Queirós, A Correspondência de Fradique Mendes [VIII]
EÇA DE QUEIRÓS: A CAPITAL
domingo, 19 de dezembro de 2010
FRIEDRICH NIETZSCHE: A GAIA CIÊNCIA
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
CAMILO PESSANHA: VIOLONCELO
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
E QUANTO ÀS OBRAS MAGNÍFICAS QUE NADA TÊM A DIZER?
Numa demorada discussão com o meu amigo Francisco, hoje, apercebi-me de que nos divide a importância da «mensagem».
Francisco exige mensagem à arte. Considera insatisfatória uma obra que, mesmo tocando-lhe nas vísceras e nos sentimentos, não lhe fale igualmente à razão. A tudo tem de subjazer uma intenção - e o trabalho do receptor é sempre um trabalho hermenêutico, o desvendamento de uma narrativa intrínseca. Só faz sentido, para o meu amigo, o que é verbalizável. Aquilo de que se dirá: «Percebo o que queres dizer, autor».
Meu amigo entende que o objecto de arte que não contém um discurso a revelar é um objecto de arte menor e pobre. A Miró, Francisco preferirá sempre o Picasso da Guernica.
Do meu ponto de vista, pelo contrário, é menor & pobre uma arte que se deixe resumir a um discurso (ético, político, religioso, o que seja). A arte, mesmo quando contém uma concepção sobre o real no seu ventre, é arte na medida em que a supera, em que se torna essencial para além dessa concepção.
Francisco pede-me exemplos; digo-lhe: a expressão artística de Nietzsche é sempre maravilhosa, até quando, na minha perspectiva, está errada. Consigo fruir, fascinado, o movimento do seu pensar, mesmo nos momentos - frequentes - em que filosófica ou ideologicamente não estou de acordo com o conteúdo desse pensar. A poesia de Camilo Pessanha, que me prende e me deslumbra, não fala à minha razão. Interessa-me muito pouco semanticamente. Ligo-me a ela pela sua sonoridade, pela transformação das palavras em pura música.
E, finalmente, os surrealistas nunca me falaram à razão: falavam-me à desrazão. Nunca me interessaram pelo propósito, mas pelo despropósito. Até eles tinham um programa revolucionário? Quando começaram a tê-lo, começaram a escangalhar-se...
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
AXLE MUNSHINE, O VAGABUNDO DOS LIMBOS
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
e.e.cummings: a poesia criando a sua regra
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
JOHANN W. GOETHE: FAUSTO
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
MURIEL SPARK: MEMENTO MORI
Já em O Apogeu de Miss Jean Brodie a repetição adquiria uma função decisiva. Repete-se uma frase que desvenda, fatalmente, o seu inverso (ali, era justamente a ideia do «apogeu» que, afinal, deixa adivinhar o pressentimento da decadência); exprime-se um optimismo que oculta um pavor, como se por enunciar aquilo em que queremos acreditar o pudéssemos tornar verdadeiro e espantar a possibilidade oposta, que nos assobra. Muriel Spark fabricou, portanto, uma história, tal como a anterior o era, ambígua e subtil, cuja realidade raramente está no que é dado a ver ou no que é dito, mas precisamente no que não é dito; ou cuja realidade terá de ser arrancada, como se de uma psicanálise se tratasse, a sinais, a sintomas: a uma redundância que se auto-anula, a um silêncio com segundo sentido, a uma falha, a uma distância. Toda a riqueza da obra reside nessa ironia. É fácil, de resto, perdermo-la de vista, confundindo o conteúdo manifesto com o latente: quanto a mim, já houve um realizador que o fez. Veja-se o caso de um certo filme sobre Miss Jean Brodie.
sábado, 4 de dezembro de 2010
UMA CITAÇÃO EM SEGUNDA MÃO: MAS A CITADORA É TAMBÉM INTERESSANTE
Roland Barthes, citado por Adília Lopes
TOLSTOI: RESSURREIÇÃO
Sobre uma sessão de homenagem a Tolstoi aquando dos cem anos de sua morte (e relativamente à qual, em post anterior, me confessei um tanto nervoso), poderão ler tudo aqui: é o sumário dos acontecimentos feito pelo jovem João, de quem fui parceiro na rara aventura de falar, para uma sala cheia, acerca de Lév Tolstoi (ou Leão, como aí se diz).
Mas há outra coisa. E é do que agora venho aqui falar. Nessa Sessão, João d'Eça referia um romance de Tolstoi, Ressurreição, que eu não conhecia. Em poucas palavras, expôs o núcleo da trama: e tão bem o fez que - não no próprio dia, e talvez nem no dia a seguir, mas, assim que pude - me dirigi à Biblioteca minha vizinha e o requisitei.
Ressurreição é inesquecível. Não se admite que um leitor que se apaixona por Ana Karenina (a personagem da obra homónima, que li, aliás, só recentemente) e encontre em Guerra e Paz uma fonte de descobertas poéticas e filosóficas, não veja em Ressurreição um romance maior. Trata-se, como em todo o Tolstoi, da queda e da possibilidade [ou não] de resgate das suas personagens. Trata-se, como em todo o Tolstoi, da reflexão sobre a culpa - sobre as reais implicações de uma culpa antiga, que ressurge do passado - e sobre a verdadeira dimensão da liberdade. É a minha consciência que decide dos meus actos? Ou a consciência sobrevoa, mais ou menos em diferido, esses actos a que chamo «meus» mas são, antes do mais, determinados por medos, cobardias, disposições genéticas, uma imagem a que a sociedade espera que eu corresponda?
Tolstoi constrói uma situação que é o centro dramático de todas estas questões: chamado a participar de um julgamento, como jurado, o príncipe Nekliodov é posto perante Katiucha Maslova, prostituída desde nova, acusada de ter envenenado um cliente. Mas Katiucha é uma mulher que, em jovem, o próprio Nekliodov seduziu e perdeu, num período da sua vida - tão subtilmente captada por Toltoi na complexa diversidade de facetas - em que a consciência moral está como que adormecida, aguardando, diminuída em face da força da busca do prazer e do bem-estar, que se impõe, egocentrista e brutal.
Por outro lado, esta situação e este tema são, nas mãos do génio que é Tolstoi, pretexto e instrumento para o exercício de observar e apontar pequenas e fugazes movimentações do espírito. A consciência nunca é monolítica: uma personagem não é absolutamente boa nem absolutamente má. Erra, mas perante o seu erro, enfrenta-se e começa, verdadeiramente, a conhecer-se a si própria: os sentimentos transformam-se a cada instante, retornam ao ponto de partida, ou dali se escapam precipitadamente; quer reparar e não quer reparar o mal que fez, põe em luta razões para amar e para odiar o mesmo objecto, desilude-se com o que fez e, por outro lado, justifica-o. Tudo é incerto e vago, mesmo quando estabelece um propósito e decide torná-lo o eixo da sua «ressurreição».
E nisto, não só nisto mas «nisto» sobretudo, Tolstoi é o mais actual dos romancistas, o mais subtil. O que menos julga as suas personagens: o que abrange, divina e compreensivamente, todos os lados de todos homens.