segunda-feira, 25 de outubro de 2010

AS QUYBYRYCAS: IONANES GARABATUS, ALIÁS JOÃO PEDRO GRABATO DIAS




Agora que está prestes a ganhar uma incontornável - e porventura justíssima - visibilidade o último livro de Gonçalo M. Tavares, um poema em dez cantos, à maneira de Os Lusíadas, apetece-me contrapor-lhe um outro longo poema, anterior, igualmente extraordinário, porém invisível.

Hei-de talvez ainda falar de Uma Viagem à Índia, de GMT. Mas é uma obra que não carece de mais publicidade do que aquela que já a sufoca: tem um prefácio de Eduardo Lourenço; dedicam-lhe a capa e diversas páginas do JL: incensam-na; há-de estar mencionada nos próximos magazines literários. Já o poema a que me quero referir, escrito por um poeta quinhentista, Ioannes Garabatus, com 11 Cantos, intitula-se As Quybyrycas e parece ter-se sumido no tempo. Haverá aí quem se lembre deste «poema éthyco em outavas, que corre sendo de Luís Vaaz de Camões em Suspeitíssima Atribuiçon»? Pois é uma verdadeira obra-prima, a principiar logo pelo jogo entre falsidade e verosimilhança, pelas piscadelas de olho, pelo carácter satírico, enganador e burlesco, e político, como se verá, que o sustentam.

Porque Ioannes Garabatus não existe, e o poema não data de Quinhentos, ao contrário do que garante, mas, mais prosaica e proximamente, de 1972.
O seu autor é João Pedro Grabato Dias; por sua vez, João Pedro Grabato Dias não existe senão como heterónimo do pintor e poeta António Quadros. No entanto, este longo texto (1180 estâncias), que começa por ser uma brincadeira - algo, no limite, semelhante à obra de um falsário, ainda que, em rigor, toda a literatura passe por esse jogo entre o verdadeiro e o falso - constrói-se como uma obra maior, «uma epopeia satírica e de sentimento anti-epopeico», que reconstitui, aparentemente, uma época, com o intuito de que lhe reconheçam os sinais da contemporaneidade, as dores, os males e os erros de Portugal dos anos Setenta, anterior ao 25 de Abril.

Todavia, está lá o rigor complexo da poesia superior, a beleza da expressão e do sentimento, o cuidado e o talento postos numa Arte que se não desleixa e não se deixou confundir, em momento algum, em excerto algum, com a mera propaganda política.

P.S.: Embora não haja sido deliberado, não deixa de ser interessante que a pesquisa, na internet, por imagens que ilustrassem o presente post, acabasse mostrando a diferença entre a visibilidade e a invisibilidade respectivas das obras e dos autores que refiro, através da brutal diferença entre dimensões e cores (ou ausência de cor) num e noutro caso.

1 comentário:

Nuno Dempster disse...

Não consegui ler mais de metade de Uma Viagem à India. Um livro oportunita, bem ao contrário de As Quybyrycas, que é um livro de um poeta grande entre os grandes portugueses, que por ser grande e inconveniente todos calam.