sábado, 23 de outubro de 2010

AKSÍNIA


Pela escrita de um homem, O Don Tranquilo é um romance extremamente feminino - e feminista, no melhor e no mais nobre sentido da palavra.

Aksínia é uma personagem fortíssima. Uma palpitação em busca do seu sonho, emergindo e erguendo-se, não diria contra a malvadez masculina, porque, na História da Luta entre Homens e Mulheres não existem, propriamente, os bons e os maus; mas, sem dúvida nenhuma, sobre o fundo primitivo da incompreensão masculina, e sobre o fundo da cobardia dos homens: mesmo os que não detêm o poder, como estão num mundo de homens, acertam-se com ele ou, pelo menos, mais facilmente se conformam e baixam a cabeça.

«[Aksínia] encarou bem em Grigóri e impressionou-a o fulgor seco e inquieto dos olhos dele.
«- ... Acho que devíamos pôr ponto...
«Aksínia vacilou. Os dedos dela crisparam-se num pé enrolado de campainhas. De narinas frementes, esperava o fim da frase. O fogo da angústia e da impaciência abrasava-lhe a cara, ressequia-lhe a boca. Cuidava ela que ele ia dizer: «... pôr ponto na tua vida com Stepane.» Mas ele passou a língua, com ar penalizado, pelos lábios secos, que a custo se lhe moviam, e terminou:
«- ... pôr ponto nisto. Hã?»

Esta passagem respeita, na minha interpretação, à diferença de arrebatamento e qualidade de amor, quando este se conjuga no masculino e quando se conjuga no feminino. (Não generalizemos, apesar de tudo); não que se não tenha o direito de abdicar ou recuar, por muito que se haja amado: mas que sentir (ou, concretamente: que sente Aksínia) quando o próprio objecto do sonho não está à altura do sonho?

2 comentários:

MJ FALCÃO disse...

Gosto imenso desta pintora russa! Penso que é a Zinaida Serebriakova, não é?
Vi a pintura dela (pouca)em Moscovo.
Vim dar uma espreitadela ao seu blog...
Bom domingo
o falcão

josépacheco disse...

Confesso que descobri o seu blogue, falcão, precisamente porque estava à procura de uma pintura que tivesse por objecto uma mulher russa. Encontrei este quadro maravilhoso no seu blogue. E, por fim, fiquei aprisionado ao blogue. Estamos encontrados, já a não largo.
o leitor