domingo, 18 de julho de 2010

JOÃO TORDO: HOTEL MEMÓRIA


Agora que Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto e valter hugo mãe, com provas dadas, não podem já ser considerados recém-chegados à literatura portuguesa, a quem caberá a designação de "novíssimo" das lusas letras? Tanto pela idade como pela relativa proximidade da sua estreia enquanto romancista, diria: João Tordo.

Há que lembrar que o não conhecia de todo. Nada no seu primeiro livro, quando estava com este nas mãos, numa livraria, me atraía em particular, a não ser mesmo o preço. O autor era-me estranho. O título, Hotel Memória, não me parecia promissor. A capa era feia. Também o não folheei porque, se bem me lembro, era um daqueles livros que, por alguma ignota razão, vêm envolvidos em papel celofane. Estive com ele, Que faço eu com isto? Trago, deixo-o? - e, num improvável palpite, trouxe-o comigo.

Acertei em cheio. A escrita é relativamente simples, não tem a poesia de um Peixoto, a originalidade aforística de um Tavares, a ausência de vírgulas de um hugo mãe. Mas vai-nos hipnotizando como alguém que principia a revelar um segredo que pressentimos fatal. Que é precisamente aquilo de que se trata. Aliás, o primeiro período não poderia ser mais bem escolhido, contendo prodigiosas promessas de mistérios e aventuras. «Quando a conheci», assim inicia, «já ela trabalhava para um morto».

João Tordo nunca desmerece deste início. Vai mantendo o mistério e a surpresa - pior, vai complicando o mistério, ramificando-o, acrescentando-lhe tonalidades, numa estrutura que adivinhamos complexa mas em que nunca surgem esquecimentos ou desleixos. Perguntamo-nos: E aquela fuga, ou aquele encontro no metropolitano (estou a inventar exemplos...), pré-anunciados páginas atrás e não víamos como caberia na trama, será que os esqueceu entretanto, será que já não vêm a jeito? No momento certo, aparecem, encaixam-se num puzzle perfeito, num romance muito bem urdido nos seus cursos, nas suas articulações e na sua fluência. Pode até parecer paternalismo meu: como se, de um jovem autor, não fosse esperável - e exigível, ou por causa da sua juventude ou por se tratar de um primeiro romance - que não se enganasse, que não se perdesse, ou que não tivesse unhas para aguentar o plano. Não é paternalismo. Simplesmente, de facto, em Tordo, a grande surpresa e o núcleo emotivo passam pelo engenho da multiplicação quase infinita de possibilidades.

O Hotel Memória referido no título é um tal Memory Hotel, de Nova Iorque, cidade que será o pano de fundo onde se cruzam e desencontram uma rapariga enigmática, um milionário excêntrico, um fadista emigrado para os Estados Unidos (o inesquecível Daniel da Silva); a paixão, a morte, segredos e revelações que se vão desenhando num tom contido mas irresistível. Percebe-se muito bem o que João Tordo trouxe da voz de Camilo, um dos seus santos tutelares.

Reencontrei-o, pois, ao livro. Queria folheá-lo por alto, simplesmente para refrescar a memória, de modo a escrever sobre ele e - que querem? Tenho estado a relê-lo na íntegra, num alvoroço, com o prazer das primeiras leituras e das grandes descobertas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Boa tarde,

gostaria de saber se estaria inteeressado em vender o livro.

Cumps

josépacheco disse...

Já o emprestei, ou perdi, há muito tempo; lamento - azares de mudanças de casa...