quinta-feira, 15 de abril de 2010

FERNANDO PESSOA & COMPANHIA ILIMITADA



Fernando Pessoa era de uma curiosidade e de uma inspiração febris: escreveu poesia, mas não houve um único género literário a que se não entregasse (até anedotas, muito engraçadas, aliás como não poderia deixar de ser, Pessoa escreveu...); conhecia profundamente os clássicos; estudou a fundo a astrologia, fazendo reparos ao Grande Mago, Aleister Crowley, que veio de propósito a Portugal para descobrir quem diabo era o portuguesinho que assim o emendava; à numerologia; à grafologia; à frenologia: fez esboços do seu nariz, dividindo-o em segmentos, movido em parte pelos complexos que parece que tinha por causa do tamanho deste, e em parte pelas conclusões científicas a que pretendia chegar acerca do significado das medidas e forma nasais; quando a psicanálise entrou em cena, seguiu-a conscienciosamente, muito atento à fórmula freudiana; fartou-se de inventar; por exemplo: o carreto da máquina de escrever enervava-o, de modo que se pôs a desenhar imediata e meticulosamente uma série de projectos para conceber um novo tipo de carreto; propôs um anuário, precursor das "páginas amarelas", com um modo de "codificação" avançadíssimo para a época; foi um editor que estampava dinheiro nas coisas de que gostava e eram boas, indiferente ao sucesso comercial; estudou medicina, por interesse e para dar à figura de Ricardo Reis, médico, a devida credibilidade; e as últimas pesquisas já apontam, para além dos muitos que julgávamos conhecer, setenta e dois heterónimos. Outra investigadora procura provar pelo menos oitenta.

Visito a Casa Fernando Pessoa. Regresso encantado, com muito da minha imagem feita sobre o poeta (imagem fabricada, em grande parte, pelo Gaspar Simões...) completamente estragada: em vez do homem tímido, recatado, fechado em casa, o pândego, que, irritado pelos olhares viperinos das vizinhas, se fazia passar por bêbedo, atirando-se para cima dos carros, abraçando-se ao candeeiro, numa cena à Pátio das Cantigas, e subindo os degraus de gatas, depois de ter ido à esquina simplesmente comprar um jornal. Descubro não só o escritor prodigioso, o genial poeta, ensaísta, novelista, dramaturgo, inventor, mas o conviva apetecível, o grande brincalhão, o tertuliano indefectível, o excelente amigo. O caso único em Portugal. Em vários aspectos, por muito tempo, o notável único Caso português.

2 comentários:

Rosário disse...

Nossa, sempre tive um certo medo do Pessoa. Um dia ainda o levo a sério.
Mas José Pacheco, quando vou ler um post seu sobre um autor brasileiro? Estou esperando viu?

Abraço.

josépacheco disse...

Há um sobre o notável autor de Ó, que é brasileiro. Mas tem razão, não basta. Não tarda pela demora...