sábado, 23 de janeiro de 2010

J. D. SALINGER: THE CATCHER IN THE RYE


Escrevo o texto, propositadamente, numa espécie de deserto cortado por uma ilustração única e diminuta. O homem que nos sorri dessa fotografia antiga é J. D. Salinger, o qual, desde a publicação e quase imediato sucesso da sua obra-prima, preferiu manter-se num estado prático de reclusão. Para quê, pois, expor, mais do que o estritamente necessário, um autor que recusa a exposição?

Terei de falar novamente do meu primo? Claro que sim. Como este estudava, então, algures em Inglaterra, conhecia bem um livro de leitura obrigatória para a aprendizagem da língua inglesa: The Catcher in the Rye. Apresentou-mo, portanto.

Comecei por lê-lo em inglês. Percebi, desde as primeiras páginas, que aquele romance escrito nos anos cinquenta permanecia actual; mais: de uma novidade e uma originalidade absolutas. Mais tarde, comprei-o em português; hélàs!, emprestei-o; perdi-o de vista. Ontem, comprei-o de novo, numa tradução que lhe oferece o nome suspeito e pouco feliz de À Espera no Centeio.

A forma revela-se um achado: o narrador é Holden Caulfield, um adolescente de dezasseis anos. E que, de facto, escreve como um adolescente de dezasseis anos. A linguagem rebelde e aparentemente pouco sofisticada de Caulfield, sustentada nos pilares que são as palavras obscenas e violentas do léxico adolescente em qualquer tempo e em toda a parte, vai-se mostrando o meio perfeito para a apresentação da sua perspectiva - que é, naturalmente, a perspectiva de, que esperavam?, um adolescente de dezasseis anos. Do seu ponto de vista, os velhos são deprimentes, os adultos são em geral pessoas entediantes, as exigências e expectativas, de que o cercam, completamente falhas de sentido.

Este distanciamento em relação ao mundo que descreve, no entanto, minuciosamente, assume-se como um veio poderoso de humor. Reconheço, aliás, aquele humor ácido. Tenho um filho de catorze anos e, acreditem, os adolescentes olham hoje para as coisas com a mesma incompreensão irónica que há cinquenta anos.

É, num certo sentido, um livro que nos resgata: embora Caulfield seja, para nós, o «estrangeiro», isto é, o objecto estranho que vai lidando com os seus dias através de decisões erradas e perigosas, a sua tentativa de comunicar connosco, leitores, aproxima-o, faz-nos entrar em si, fá-lo entrar em nós. Nasce uma telepatia. Como se, dentro de cada um de nós, um adolescente que nunca morreu despertasse e estabelecesse o contacto: sim, Caulfield, compreendo-te bem, o sistema é tramado, as opções que se te abrem são todas igualmente más, mais vale seguir essa espécie de instinto louco, duro, aventureiro e generoso.

Mas mais do que isto, como é evidente, Caulfield, sob o azedume do seu riso, sob a ironia tensa, a pura propensão para o disparate (mais, até, do que para a revolta), torna-se uma figura comovente. Veja-se o diálogo com a irmã, um momento que se crava com toda a força numa zona vulnerável do peito do leitor.

Não me importo de emprestar este livro a outra pessoa, porque Salinger merece que o conheçam.
De resto, é claro, eu iria comprar imediatamente um novo exemplar.

2 comentários:

NELSON CARVALHO disse...

Caro José Pacheco
Descobri o seu blog justamente por causa de "The Catcher in the Rye", de Salinger. Comprei e li há um par de anos. Estranhei o título português "À Espera no Centeio" que achei que nao tinha nada a ver com nada, com a narrativa, com o local, com o jovem Caufield. Ontem vi um pedaço do filme "Teoria da Conspiração", que já tinha visto mas não tinha reparado: este livro é protagonista, uma vez que todos os exemplares que encontra (e procura) são adquiridos pelo pesonagem central do filme. A nota é que no filme o título é traduzido por "Como Agulha em Palheiro". Não sei se "the catcher in the rye" é uma expressão idiomática, mas parace-me uma tradução bem mais feliz, porque adequada ao universo desa obra.
Vou ver se continuo a passar por aqui...
Cumprimentos
Nelson Carvalho

josépacheco disse...

Existe uma outra tradução portuguesa, acho que de João Palma-Ferreira, que se chama precisamente «Agulha em Palheiro». Estou de acordo que me parece mais ajustado. E também me lembro desse filme. Mel Gibson faz de um paranóico que, onde quer que encontre um exemplar desse livro, tem de o comprar - se bem se lembra, é isso que o trama! Nelson, fico contente por descobrir um leitor das minhas leituras. Vá aparecendo...