segunda-feira, 26 de outubro de 2009

ITALO SVEVO: A CONSCIÊNCIA DE ZENO


Aparentemente, Italo Svevo, pseudónimo de Ettore Schmitz, não entrou na literatura pela porta grande.
Os seus primeiros romances, que nunca li, foram duramente desqualificados pela crítica e, sobretudo, ignorados pelo público. Na sequência desta má recepção, aliás, abandonou a escrita literária.

Não preciso de ir muito longe para encontrar tal informação: leio-a no preâmbulo de A Consciência de Zeno, magnífica obra que redigiu e marca, após o tempo de desistência, o seu regresso à escrita, encorajado por James Joyce [que não era, à época, ainda conhecido e, como seu professor de inglês, entretanto tornado amigo e confidente, lhe pediu para ler os seus cadernos].


Não percamos tempo com adjectivos: Svevo é simplesmente extraordinário. Narra uma história quase comezinha, quase irrelevante, principiando por algo tão simples como uma personagem que procura abandonar o vício do tabaco. E depois, a partir deste início incipiente, vai construindo os patamares e os labirintos da consciência deste homem, o qual vai recordando e contando os seus sentimentos - o amor não correspondido, um falso amor em que mergulha sem saber como, seguindo um impulso ilógico, os seus ciúmes, invejas, ressentimentos...

A duplicidade deste anti-herói torna-o um irmão nosso, uma pessoa muito próxima de nós e das nossas contradições. Algo na sua percepção da realidade está ferido de um egoísmo e de uma insensibilidade quase ridículos - e, no entanto, é muitas vezes dessa imoralidade intrínseca, essa incapacidade para nos pormos no lugar do outro, que se fazem os movimentos da nossa consciência.

A sua escrita prende-nos imediatamente. Numa simplicidade que esconde um trabalho eficiente e, como lembra António Lobo Antunes, um apuro técnico incomum, Svevo, diante dos nossos olhos, vai povoando as páginas do seu romance com formulações de um fulgor e de uma profundidade que só o génio conseguiria.

É uma leitura do interior de um homem, em que o que lhe sucede não serve senão como pretexto para esta fenomenologia da sua consciência. Lê-se devagar. Saboreando tudo. Com os pêlos eriçados. A sensação, rara, de se estar num outro mundo literário, de se ter subido a um outro nível; literariamente, Svevo é incomparável: é outra loiça!

4 comentários:

Carmen Flor de Carvalho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carmen Flor de Carvalho disse...

Comprei, antes mesmo de ler sua resenha e pretendo começar a ler quando terminar Mrs. Dalloway de Virginia Woolf.

Alexandre Figueiredo disse...

Vou começar a ler o livro hoje. Depois retorno e falo das minhas impressões.

Alexandre Figueiredo disse...

O livro é fabuloso. Zeno narra a sua história desde sua família, o seu trabalho, até as pessoas que o cercam, deixando suas impressões e os seus sentimentos extravasarem à flor da pele.